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A viagem do Papa Francisco ao maior país católico do Mundo termina hoje. Se a visita ao Brasil chegar ao fim sem percalços, quase poderemos falar de um milagre. Não daqueles que terão intervenção direta de Deus, mas dos que resultam da sorte terrena que bafeja a imprudência - ou mesmo a incompetência - dos homens. E sorte foi o que não faltou, até ontem à noite, aos organizadores da primeira visita do Papa argentino ao vizinho país do Carnaval. Primeiro, foi o atraso na chegada da comitiva da presidente Dilma Rousseff para a receção papal, que obrigou o avião da Alitalia a dar umas quantas voltas no ar, em redor do aeroporto do Galeão, até que Francisco pudesse ter alguém à sua espera quando descesse as escadas da aeronave. Mais tarde, já em terra, foi a comitiva papal que entrou por uma via não apenas congestionada, mas entupida de autocarros, o que aproximou de forma inédita os fiéis do líder católico: bloqueou a sua passagem. Na reta final da visita, os organizadores viram-se obrigados a transferir o evento maior da Jornada Mundial da Juventude de um megalómano terreno na zona oeste do Rio de Janeiro para a praia de Copacabana. Motivo? A chuva transformou num lamaçal impraticável o campo que a organização tinha preparado durante ano e meio para o encerramento do maior evento que os cariocas já receberam até hoje. Por água abaixo foram também os milhões de reais gastos nos preparativos. A surpresa só o foi, de facto, para alguns. No início do ano, o Ministério Público brasileiro alertava para a probabilidade de tal poder acontecer, baseando o aviso na conhecida (e mais do que previsível) morfologia do terreno. Ninguém ouviu. Provavelmente, confiando às cegas num "é preciso ter fé"....
É, também, contra este nível de displicência e desbaratamento dos dinheiros públicos que os protestos nas ruas do Brasil se mantiveram durante a visita do Papa. Foi, talvez por isso, que, nesta sua primeira viagem, Jorge Mario Bergoglio condenou a violência das manifestações, mas disse entender a desilusão dos jovens. "Jesus se une a tantos jovens que perderam a sua confiança nas instituições políticas, porque veem egoísmo e corrupção ou perderam sua fé na Igreja ou até em Deus", disse o Papa Francisco, perante um milhão de fiéis.
O Papa podia ter sido mais assertivo nesta sua incursão carioca? Podia, mas Francisco tinha outras preocupações. Treinou o português (língua que já considerou com humor "um espanhol mal falado") e as suas gírias para se aproximar do povo brasileiro. "Bote fé, bote esperança. Bote amor", disse em Copacabana. Na favela da Varginha, usou a popular expressão "se pode colocar mais água no feijão" para falar de partilha. Arrancou aplausos de quem o ouviu e sorrisos depois, quando recorreu à metáfora do "copo de cachaça", a popular bebida brasileira, tão querida tanto do povo como de ex-governantes... O estilo descontraído, comunicador e informal de Francisco foi milimetricamente pensado para a viagem ao Brasil, o país onde a Igreja Católica mais fiéis perde e onde o protestantismo mais cresce. E, nesse sentido, esta visita foi um marco significativo. Não só para os brasileiros, mas para todo o mundo católico.