O pós-troika político-partidário
A aprovação da reforma do IRS com os votos a favor da maioria PSD-CDS e contra dos partidos da oposição foi mais uma evidência do beco em que se meteu este país. Não posso evitar um enorme desapontamento quando constato a impossibilidade de, em tudo o que é estrutural, se encontrarem consensos alargados e transversais aos principais quadrantes políticos representados no Parlamento. Há que mudar de vida!
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Este estado de coisas convoca-me para uma leitura dos posicionamentos dos partidos, a um ano das legislativas. O tão falado pós-troika, aquele que importa, é isto mesmo, o arranjo político-partidário que subjazerá à governação na próxima legislatura.
Começando pelos socialistas, António Costa sabe que é líder de um grande partido, de um partido de poder, e portanto não tem outra opção que não seja a apresentação de uma proposta de projeto autónomo de governação, aliás consonante com a forma fulgurante como conquistou a liderança a António José Seguro. Ao excluir coligações pré-eleitorais, só pode almejar a maioria absoluta lançando as suas redes ao eleitorado periférico. E, por muito que isso não faça sorrir muitos dos seus camaradas, tem de começar pela esquerda. É aí que está o espaço de oportunidade do momento. Os "spinoffs" do Bloco de Esquerda são terreno fértil para a captação de voto útil no PS, algo que de outro modo poderá ser aproveitado pelo sempre coeso Partido Comunista.
Costa está, obviamente, também consciente da importância do tradicional eleitorado do centrão, que flutua entre PS e PSD. Sem estes não é possível conquistar uma maioria absoluta em Portugal. Só que nesta altura é preferível para ele beneficiar do capital de queixa face à governação. É deixar o descontentamento popular fazer o seu trabalho, desgastando um Governo que, apesar de fraco, liderou o país num período de extrema dificuldade e com uma autonomia fortemente limitada pelo resgate. Lá chegará a altura de reivindicar os votos do centrão.
Na esperança de que as sobras à esquerda e os descontentes à direita possam viabilizar a maioria absoluta, o Partido Socialista não pode nem vai descurar o desenho de um plano B. A aparente rejeição de acordos à direita, assim interpretada por muitos aquando do discurso de Costa no encerramento do Congresso do Partido Socialista da semana passada, tem todavia uma mensagem subliminar: "Não é possível ser alternativa às atuais políticas com quem quer prosseguir as atuais políticas (...). Não é um problema de nomes, mas de políticas". Não tenho dúvidas, Costa quis dizer, de uma assentada, que se e quando o PSD mudar de políticas e de pessoas (o que acontecerá se perder as eleições), então tudo estará em aberto.
O CDS mostra inquietação. Direi que está consciente de que as suas oportunidades de protagonismo, ou mesmo de sobrevivência, se começam a degradar face ao leque de opções que uma eventual vitória do PS poderia abrir. É que a uma inevitável revolução na liderança do PSD não corresponderia igual mudança no CDS. Porquê? Tão simplesmente porque o CDS não tem escala para mudanças substanciais e porque, saindo Portas de cena, o partido seria pouco mais do que um deserto. Ora justamente neste entendimento, Nuno Melo vem agora clamar por uma definição na coligação entre centristas e sociais-democratas, tão depressa quanto possível.
Voltando ao início, como será possível obter consensos alargados em matérias fulcrais da governação, como é o caso das reformas fiscais? É aqui que entra Rui Rio. Está na reserva, em processo de incubação. Num cenário de vitória socialista nas legislativas, e dando como certo que Cavaco Silva não empossará um Governo minoritário, PS e PSD poderão ter de entender-se. E Rio será provavelmente a melhor solução para suceder a Passos Coelho.
O que pode baralhar estas contas é uma eventual candidatura do antigo presidente da Câmara do Porto à Presidência da República, uma ideia que começa a ganhar contornos e que permitiria desde já ao primeiro-ministro afastar o pretendente. Contudo, o calendário das duas eleições, demasiado próximas entre si, traz uma complexidade acrescida. Rui Rio é um homem de serviço público, de traço executivo. No imediato, creio que seria bem mais útil ao país poder contar com o seu empenho no PSD do que em Belém.
Costa e Rio, Rio e Costa: tão diferentes, mas tão complementares.