Era uma vez um povo que amava tanto o mar, o longe e a distância que os seus homens e mulheres sempre aceitavam com alegria o desafio interior de partir à aventura.
Diz-se que aquele povo não sabia resistir ao apelo do desconhecido e desde os tempos imemoriais não havia relatos de alguma vez terem hesitado entre ficar, ou escolher aquela nova rota do destino... a que mais tarde alguém haveria de chamar fado.
Um povo assim, sempre cheio de desejos de aventura e vontades permanentes de abandonar a sua terra de origem, chama para si muitas atenções épicas, mas também incorre em grandes perigos, nomeadamente não organizar bem a sua casa.
E como a exígua faixa de terra junto ao mar, de onde esse povo é originário, não abundava em campos férteis nem subsolos generosos, isso impelia-os - o que sem poesia significa obrigava-os - a partir.
Como todos sabem foi essa secular necessidade, conjugada por uma intrépida vontade que lhes afiou o engenho, aguçou a vista, e os transformou em inventores da globalização.
E foram exatamente essas viagens, com todos os seus destinos e paragens, naufrágios e cabotagens, a origem de uma das características mais notáveis desse povo: serem colecionadores de memórias.
Como nenhuma outra gente, são ricos em adágios, aforismos e ditados populares; sendo tão exuberantes nas suas memórias de oralidade - (in)compreendidas entre profecias de Bandarra e mitos de Sebastião - como, depois de Gutemberg ter inventado a letra solta - compulsivos colecionadores de livros.
Os livros são tão importantes para este povo que, quando, no Dia de Todos os Santos em 1755, um terramoto lhes tirou para sempre a independência económica, o maior - talvez o único - desígnio nacional passou a ser reconstruir a magnífica biblioteca dos reis que a fúria do destino e raiva do fogo lhes tirou.
*Especialista em Media Intelligence
