Por uma vez, Bloco de Esquerda e PCP têm razão: o memorando de entendimento assinado com a troika será, em larga medida, o programa do Governo que sairá das eleições. Mais: com os prazos estabelecidos para a introdução de algumas alterações políticas e do quadro institucional, o próximo governo tem de andar depressa, sendo vital que a sua formação e tomada de posse seja célere.
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Como se não bastassem os prazos constitucionalmente previstos, as sondagens apontam para um cenário que pode requerer negociações complicadas e, por isso mesmo, potencialmente morosas. A não ser que haja uma grande surpresa, nenhum partido terá maioria absoluta, transformando-se o CDS, depois da recusa do PSD em integrar um governo com o PS, no fiel da balança. Sendo-lhe dado a escolher, é legítimo admitir que as suas preferências vão para o PSD se, em conjunto, tiverem maioria absoluta. Mesmo nesta hipótese, a maioria não parece que venha a ser muito dilatada pelo que a configuração de um acordo com o PS continua na ordem do dia. Por maiores que sejam as preocupações com os mais desfavorecidos, as medidas previstas no memorando criarão condições propícias à agitação social, desde logo por atacarem alguns dos interesses instalados mais fortemente organizados. Enquanto Governo, o PS foi o promotor do acordo e subscreveu-o. Ainda assim, se não houver forma de o manter vinculado a alguns dos seus eixos fundamentais, dificilmente aquele partido resistirá à tentação de instrumentalizar o mal-estar social. Isto, que seria o normal no jogo político, será trágico na conjuntura actual.
A situação portuguesa é seguida, internacionalmente, com expectativa. Há quem se tenha empenhado em nos dar o benefício da dúvida, há os cépticos e há quem esteja a apostar tudo em que falharemos. Neste contexto, não teremos uma segunda oportunidade para causar uma boa impressão. Qualquer hesitação ou desvio pode ser fatal: a continuidade do fluxo de empréstimos está condicionada ao resultado de avaliações regulares. Se estas forem negativas, o país pode entrar em incumprimento. O novo governo terá alguma margem na escolha das prioridades e dos caminhos, mas não na determinação de várias metas nem do tempo para lá chegar. Vai precisar de trabalhar depressa e bem, o que, sabemos, há pouco quem. Vai ter de falar claro, elucidar o "porquê e para quê" de várias políticas, tentando mobilizar esforços e evitar a contestação social destrutiva. Se persistir um ambiente de cacofonia e algazarra política, é pouco provável que se consiga fazer ouvir.
Pinheiro de Azevedo dizia que "o povo é sereno". Tem-no sido embora, embora haja sinais de que esse tempo pode estar a chegar ao fim e a paciência a esgotar-se. Um governo com uma legitimidade marginal, pouco seguro e estável, é tudo de que não precisamos. Estou certo de que, no PS e no PSD, consoante o que estiver no Governo ou na Oposição, existem políticos com o sentido patriótico suficiente para o entender e actuarem em consequência.
P.S. Uma adivinha: o que aconteceria se o programa do Governo ficasse refém do voto dos deputados do PSD eleitos pela Madeira?