De génese pacificadora e destinado a proporcionar desenvolvimento económico e fortalecimento da textura social, o projeto de construção da União Europeia deixou há muito de suscitar adesão e entusiasmo dos povos dos seus estados-membros. A União Europeia é hoje uma manta cerzida a partir de retalhos para cuja preferência os cidadãos não são tidos nem achados. A legitimação das decisões pelo voto popular transformou-se num conto de fadas, obviamente substituído pelo cartel de nomeação-decisão dos todo-poderosos. A indicação dos membros da própria Comissão Europeia é feita segundo os ditames e condições impostos pelas políticas dos mais decisivos, com a Alemanha à cabeça, o que agrava a suspeita da inutilidade da palavra dos povos sobre matérias determinantes para as suas vidas. Aliás, sintomática do desdém é a imposição de regras através de tratados sem consulta popular - ou sujeitos a referendo, mas apenas em alguns países, que não Portugal, até que o resultado seja o pretendido...
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O oportunismo aliado à falta de dimensão política da esmagadora maioria dos atuais dirigentes europeus tende, obviamente, ao definhamento do espírito inicial do projeto desenhado por Jean Monet para a Comunidade do Carvão e do Aço, entretanto transformado em Comunidade Económica Europeia, posteriormente União Europeia e, dentro dela, Zona Euro.
A conjuntura aconselha, evidentemente, o soar de campainhas de alarme potenciadas pelo surgimento de movimentos políticos radicais, de esquerda e de direita, bem situados nas sondagens para as eleições do Parlamento Europeu de 25 de maio em vários países, da Grécia à Eslováquia, da Holanda à França.
É sempre assim. Em vez de uma inversão efetiva dos acumulados de erros, tenta-se escondê-los, agitando papões.
A eleição de 751 (!!!) deputados ao Parlamento Europeu, 21 dos quais em Portugal, é um processo insuficiente para renovar a esperança dos povos na União Europeia. Nada garante o fim do contínuo beija-mão a Berlim dos principais chefes de Estado e de Governo - vão mais depressa pedir batatinhas a Merkel do que defender modelos de governação a Bruxelas. E como nada de diferente está para acontecer, mantendo-se elevada a insatisfação e o coquetel pronto a explodir, a começar no batalhão de mais de 26 milhões de desempregados na Europa, não é preciso dispor de dotes especiais para adivinhar o resultado eleitoral de 25 de maio: os "ajudantes" dos eurocratas serão escolhidos por uma minoria.
Leu bem: não obstante a obrigatoriedade de voto no Luxemburgo, Bélgica, Chipre e Grécia, as eleições europeias ficarão marcadas pela indiferença da maioria. Se em 1979, ainda com nove nações, a participação eleitoral era de 62%, a última votação, já a 27, averbou apenas 43% de adesão. Prova provada do estado de degradação da confiança geral no comportamento dos decisores europeus e de que os portugueses não divergem: as ilusões de 1987 fizeram ficar em casa 27,58% de cidadãos nacionais, mas desde aí o divórcio foi-se acentuando, até aos 63,22% de taxa de abstenção em 2009.
A falência do projeto europeu é, evidentemente, indesejável. Mas só não acontecerá se, país a país, surgirem posicionamentos políticos claros e sob a garantia de passagem da teoria à prática de um conceito solidário e unificador de políticas. Por cá, infelizmente, a campanha eleitoral indicia todos os sintomas de continuidade de discursos ocos e práticas nulas. E o povo não é parvo; não será parvo.