O prazo de validade dos produtos alimentares é daquelas matérias pelas quais nutro um profundo respeito. Eu e o meu sistema digestivo. Se a embalagem de um iogurte diz que ele deve ser consumido antes de um determinado dia, respeito escrupulosamente a indicação.
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Serve-me de pouco ter lá o advérbio "preferencialmente". Parto do princípio de que a data não foi ali colocada por alguém que fechou os olhos e espetou o dedo num calendário. Para mim, aquela data resulta de aturados estudos científicos, levados a cabo por experientes engenheiros e doutores.
A atitude (algo fundamentalista, bem sei) já me valeu dispensáveis pegas com a minha mulher. Para mim, tudo o que está fora de prazo no frigorífico ou no armário só tem um caminho: o lixo. Para ela, a palavra "preferencialmente" tem valor - logo, não vem grande mal ao mundo se tivermos os produtos mais uns diazitos prontos a comer.
É verdade que a minha mulher acrescenta um argumento de (crescente) peso à opção: a poupança. Não havendo lá em casa notícia de distúrbios pelo consumo de produtos fora de prazo, ela lembra sempre que x iogurtes vezes y cêntimos dá uma poupança de uns apreciáveis euros. Desde ontem passei a ter na bagagem um argumento tipo bomba, capaz de rebentar com todas as teorias, graças ao diretor-geral de Alimentação e Veterinária.
Nuno Vieira reconheceu que, entre 2009 e 2011, alguns alimentos controlados pela Direção-Geral de Veterinária (DGV) foram consumidos pelos portugueses antes de serem conhecidos os resultados das análises que, supostamente, devem dizer se tais alimentos estão, ou não, em condições de serem consumidos. Porquê? Porque, explicou o responsável, o tempo de recolha de amostras de alimentos de resultados deveria ser "o mais curto e célere possível", o que "não estava a acontecer".
Naquele período de tempo, alimentos como carne, ovos e leite foram comprados e consumidos sem a mínima certeza de que estivessem em condições. Acresce que, desde que, no início deste ano, a famosa ASAE deixou de recolher as amostras de alimentos, a coisa ficou ainda mais nebulosa. Ontem, a ministra da Agricultura jurou no Parlamento que está tudo sob controlo. O que se fez foi, apenas, para melhorar "a gestão dos recursos humanos e financeiros", garantiu Assunção Cristas.
A ASAE não vai tão longe nas certezas. Fala, antes, de incertezas e de um reduzido número de análises feitas este ano e do perigo de produtores injetarem substâncias perigosas nos animais, para que estes cresçam mais depressa e mais gordinhos, dando assim mais lucro.
Ou seja: eu é que tenho razão. A "gestão de recursos humanos e financeiros", quando feita pelo Estado, traduz-se sempre em perda de qualidade. Logo, é preciso respeitar as datas. E rezar para que, mesmo assim, não tenha entrado em nossa casa uma dúzia de ovos ou um pacote de leite sem condições.