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António Guterres recebeu este ano o Prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República. A cerimónia de atribuição do Prémio decorreu na passada sexta-feira, dia 23 de dezembro, na Sala do Senado, perante uma larga audiência que incluiu os responsáveis máximos de todos os órgãos de soberania, assumindo uma inédita dimensão simbólica conferida quer pela personalidade do laureado quer pelas funções que em breve irá iniciar. No júri constituído no âmbito da "Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias", cedo emergiu o consenso, incluindo todos os grupos parlamentares, em torno do seu nome, ainda antes da eleição - imprevisível, até ao último instante - do futuro secretário-geral nas Nações Unidas.
O Prémio de Direitos Humanos foi instituído para celebrar a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, por ocasião do seu 50.º aniversário, com o intuito de afirmar a atualidade dos valores nela proclamados. E também com a preocupação de alertar para os novos perigos e ameaças emergentes que reclamam a mobilização urgente da comunidade internacional a fim de garantir uma intervenção mais pronta e eficaz na prevenção de conflitos armados e nas ações concretas de socorro a populações em risco, imigrantes e refugiados que aguardam em situação de crescente desespero o asilo e acolhimento que o direito internacional lhes reconhece.
A vida de António Guterres oferece um testemunho exemplar de dedicação às causas da paz, do direito à autodeterminação dos povos, da cooperação, da solidariedade, da não-discriminação, da defesa dos Direitos Humanos. Neste sentido, o prémio não contemplou o ex-primeiro-ministro, nem o antigo alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, nem, ainda menos, o futuro secretário-geral das Nações Unidas. Limitou-se a distinguir o contributo por ele dado, sob diferentes vestes, em prol da independência do povo de Timor, contra o massacre iniciado pelas forças ocupantes, de apoio às vagas humanas que fogem aos horrores da guerra, enfim, da condenação do egoísmo e da indiferença perante o sofrimento humano.
Parece claro que a atribuição do Prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República não se pode confundir com uma mera decisão administrativa ou um meio de financiamento habitual de instituições sociais. Por isso, a atribuição do prémio não tinha de seguir o procedimento próprio de um concurso público. Realmente, não se trata sequer de um concurso e por isso o regulamento do prémio não exige a apresentação de candidaturas, embora as permita, nem prevê a possibilidade de recurso da decisão final - o que não exclui, naturalmente, o dever de prestação de quaisquer esclarecimentos que sejam pedidos pelos interessados.
Mas houve quem não pensasse assim! Com efeito, um jornalista do "Observador" - Rui Pedro Antunes - e um colunista do "Público" - João Miguel Tavares - preferiram abordar o prémio como se fosse um exercício de resolução de um caso prático num teste de direito administrativo e tratando o regulamento como se fosse um folheto de instruções para o uso de um suplemento vitamínico, com a enumeração taxativa de todas as circunstâncias e requisitos a observar. E com tais artes e subtilezas tentaram transformar o Prémio de Direitos Humanos de 2016 numa prenda "ilegal" oferecida a "um amigo" por "um grupo de deputados", "à custa dos contribuintes". É uma pena que mentes tão meticulosas não se tenham dado sequer ao trabalho de referir - conforme informação disponível no "sitio" Internet da Assembleia da República - que, por indicação do premiado, o valor do Prémio de Direitos Humanos de 2016, foi oferecido ao Conselho Português para os Refugiados.
DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL