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Seria uma heresia dizer que o sistema semipresidencialista que vigora há mais de 30 anos em Portugal morreu, só porque passamos a ter um presidente que em vez de cultivar a gravidade do silêncio se multiplica em intervenções e tem tido uma interpretação dos seus poderes razoavelmente mais lata que o seu antecessor.
Diverso do sistema presidencialista (por exemplo, o norte-americano) ou do parlamentarista (o britânico), o nosso modelo semipresidencialista continua a vigorar, com o Poder Executivo emanando do Parlamento e exercido de forma partilhada com um presidente que tem legitimidade democrática própria por ser eleito por sufrágio universal.
Não houve, portanto, nenhum golpe de Estado, mas Marcelo Rebelo de Sousa tem imprimido um ritmo à sua atuação e acompanhado a ação do Governo de uma forma que mais parece parte do Poder Executivo do que limitado simplesmente à magistratura de influência. E não colhe achar que esta sensação advém pelo facto de existir uma evidente sintonia entre o presidente e o Governo. Não deve ter havido maior sintonia entre Belém e São Bento do que com Cavaco Silva e o anterior Executivo, mas sempre pareceu que era o presidente que seguia e apoiava as ações de Passos Coelho e não o contrário.
Notemos a diferença que existe entre um Conselho de Estado para o qual se convoca o ministro das Finanças, como fez Cavaco com Vítor Gaspar, e um para o qual se convida Mario Draghi, o poderoso presidente do Banco Central Europeu. Num, vai ouvir-se as justificações do Governo, no outro vai escutar-se a visão do líder do BCE, mas, ao mesmo tempo, explicar com impacto mediático as posições portuguesas em período de definir o programa de estabilidade e o plano nacional de reformas.
Marcelo, que a 13 de abril vai estar no Parlamento Europeu, procura ajudar o Governo na frente externa, mas, simultaneamente, vai mostrando, tanto para fora como para dentro, que as soluções para os problemas portugueses devem ser encontradas dentro do quadro das regras comunitárias. A questão da "espanholização" da Banca ou a das avaliações no Secundário são outros dois exemplos da concertação entre Marcelo e Costa.
Toda a atuação presidencial não poderá deixar de ser avaliada com apreensão pelas forças de Esquerda que apoiam o Governo do PS e que, preferindo outros caminhos, terão de contar com um Marcelo que ultrapassa a matemática partidária. E com maior apreensão ainda por Passos Coelho cada vez mais isolado na sua estratégia de rejeição da legitimidade do atual Governo. Este é o tempo de Marcelo, habituem-se.
*SUBDIRETOR