O plano do presidente da República para superar a atual crise política tem por base a mesma condição de sempre: estabilidade governativa. O modo de a garantir é que não está garantido que se mantenha o de sempre: um governo forte, sustentado numa maioria parlamentar se não à prova de bala pelo menos coesa. Na verdade, Cavaco Silva repetiu ontem, na reunião em que ouviu economistas sobre os cenários pós-troika, que a estabilidade é essencial, mas acrescentou que para tal é preciso capacidade de compromisso para o médio prazo, de modo a garantir a sustentabilidade da dívida pública e a execução das necessárias reformas estruturais.
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Perante os recentes episódios de autofagia do Governo em funções, a natureza deste compromisso de médio prazo parece requerer mais que uma bloqueada maioria parlamentar. Ainda que ela venha a conseguir fazer sobreviver o Executivo por cima do cadáver de um Portas crucificado pelo seu próprio partido ou, utilizando uma expressão feliz retirada da análise de Pacheco Pereira, com um Portas empalhado.
É verdade que o presidente da República não se tem afastado um milímetro da sua posição de princípio, ou seja, a de que os governos vivem e morrem na Assembleia da República mediante os resultados das votações de moções de confiança ou de desconfiança.
Acontece que Portas encarregou--se de transformar a posição de princípio de Cavaco Silva numa desfeita ao presidente da República porque o colocou no papel de faz de conta... no ato de posse de Maria Luís Albuquerque, a ministra que Passos escolheu para substituir na pasta das Finanças o até então todo- -poderoso Vítor Gaspar.
Se Cavaco Silva for de carne e osso, desde essa tomada de posse que deve ter um desejo: remover Portas da cena política. Mas ele é o presidente da República e por isso não deixará de cumprir com as suas posições de princípio no que respeita às circunstâncias em que seja obrigado a dissolver o Parlamento e convocar eleições.
Porém, como sabemos, os homens são também a sua própria circunstância e o presidente da República não pode fugir a esta verdade absoluta. Pelo que, mesmo que formalmente a crise política esteja ultrapassada, o economista que o professor Cavaco Silva também é não pode deixar de partilhar as dúvidas da sua amiga pessoal e ex-ministra de Estado e das Finanças, Manuela Ferreira Leite, que suspeita de que por detrás das demissões de Gaspar e Portas possa estar uma agenda política ditada por um cenário em que Portugal esteja a caminho de pedir um segundo resgate.
Quando chegar o dia em que a suspeita de Manuela Ferreira Leite venha a ser confirmada ou infirmada, o economista Cavaco Silva terá seguramente uma boa conversa com o presidente da República.