<p>Cavaco Silva falou agora, pelo simples facto de celebrar quatro anos de presidência. Decisão acertada. Se o fizesse daqui a um ano, seria testamento, e as palavras cairiam no ruído da transição de chefia (mesmo que do próprio para o próprio). Assim, foi capaz de retrospectiva e prospectiva. Mas convém não atribuir mais significado ao acto: este não foi um anúncio de recandidatura, sob forma de entrevista. </p>
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Opresidente elucubrou pela segunda vez, neste mandato, fora dos imperativos institucionais. A primeira ocasião tinha sido a das "escutas". Houvesse, na altura, a comunicação/"fleuve" tido a forma de entrevista, e o problema ficaria resolvido. Como foi apresentado em modo de comunicação ao país, criou mais problemas do que os que dissipou. Mas é assunto encerrado, e o que fica agora é esta conversa em família, com Judite de Sousa (que esteve muito bem, na exploração do que havia a indagar).
Há diversos elementos interessantes a salientar. Em primeiro plano, dissipe-se já o malentendido sobre a "confiança política". Desde a primeira revisão constitucional que a Lei Fundamental deixou de dizer que o Executivo é "politicamente responsável" perante Belém. Mas continua a afirmar (art. 190), que o Governo "é responsável" ante presidente e Parlamento. Não podendo essa responsabilidade ser pessoal, ou religiosa, ou económica, ou metafísica, terá forçosamente de continuar a ser "política".
Por outro lado, é verdade que a Constituição não autoriza uma demissão do gabinete pelo chefe do Estado, em função de expressa "falta de confiança política". Mas o art. 195,2, continua a preconizar a demissão, se tal se manifestar absolutamente necessário para o regular funcionamento das "instituições democráticas". Por outras palavras: o juiz da bondade do acto é o PR, e não outrem.
É o presidente que deve decidir se o Governo é o empecilho à governação, ou a sua consagração.
É o chefe do Estado que se responsabiliza pelo acto de deixar cair o primeiro-ministro. Foi o que Sampaio fez, à segunda tentativa, com Santana Lopes.
Sócrates não será, provavelmente, o Santana de Cavaco. E o presidente significa que, em crise grave, quase nada é tão bom como a estabilidade. Mas se for o Governo a causa mesma da instabilidade, haverá consequências certas. E imediatas.