<p>Pode um presidente da República divulgar estados de alma? Pode, mas não deve. O poder de mensagem expresso na Constituição refere-se à capacidade de o PR se pronunciar sobre todas as "emergências graves para a vida da República". Será o "caso das escutas" uma "emergência grave"? Ninguém parece reconhecê- -lo, a começar pelo presidente (que não invocou essa figura).</p>
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Não se duvida que Cavaco pudesse desabafar com os concidadãos, mas noutro modelo: uma entrevista assumida, ou uma declaração com direito a perguntas. As comunicações institucionais, ainda por cima antecedidas de um "suspense" quase cinematográfico, deveriam ser reservadas a assuntos de especial interesse público.
Ora, o público não ganha nada em saber das dúvidas presidenciais sobre segurança em rede cibernética. Ou em imaginar que, na ligação entre computadores pessoais e computadores institucionais, em Belém, há problemas.
Ou em pensar que alguém pode esquecer-se de encriptar (por exemplo, com o sistema PGP) mensagens sensíveis, de manter o "firewall" sempre activo, de actualizar e melhorar os antivírus, filtros e garantias, de assinar electronicamente as missivas pessoais, de conhecer as regras de navegação segura, e de protecção contra intrusões, "spoofing", incrustação de troianos, ou "pacotes" de detecção do uso de teclado.
O Centro de Comunicações de Belém, guarnecido pelos nossos melhores especialistas militares, a esquadra de segurança da PSP, o assessor de segurança Abílio Morgado, a Autoridade Nacional de Segurança (dirigida por um distinto especialista da Armada), a direcção de Informática da Presidência, entre outras entidades, não podem garantir a intangibilidade dos sistemas se os usuários não os conhecem, ou não seguem todas as regras mínimas.
Mais uma vez, não vejo, sinceramente, a utilidade destas reflexões domésticas.
Apesar disso, a comunicação presidencial tem, obviamente, pontos relevantes. O mais importante seria que o PR garantisse não ter mandatado Fernando Lima para a sua alegada missão impossível. Essa garantia formal foi dada, para incómodo de muitos destinatários.
A seguir, seria importante que o PR negasse o absurdo de estar a ser espiado por outro órgão de soberania. Cavaco Silva fê-lo, chegando a desvalorizar toda a especulação sobre o assunto, mais uma vez incomodando alguns adeptos da "política de faca na liga".
Por fim, o PR teria de explicar por que falou agora, e não antes. A justificação é também clara. Não poderia o presidente falar antes de 18 de Setembro, altura de publicação do correio electrónico privado, no DN, porque não havia, até aí, nem nomes nem factos concretos imputáveis. Falando depois, perturbaria a campanha (como se provou, pelas declarações de PSD e PS).
Resumindo: o que não era de todo necessário, em todo o discurso de Belém, era o rol de considerações pessoais, análises e apartes. Tudo deveria ter sido mais seco, claro e espartano. Entende-se que o PR não desejava minimizar, achincalhar, humilhar os seus colaboradores directos, mesmo tratando-se dos mais irrequietos, imprudentes ou mais papistas do que o papa. Mas não se lava a roupa suja em público.
Foi porém isto, e não o ideal, que aconteceu.
A bem da Nação, era bom que o "incidente" fosse encerrado. Para benefício da sanidade de todos, e para não agravar os estragos num povo dividido, descrente, descontente e necessitado de bons exemplos.