<p>É sabido o que se passa em relação às crianças cujos pais não têm condições para as criar, seja por vontade própria seja por decisão do Estado. As instituições de acolhimento estimulam a sua ligação aos pais naturais mesmo que eles não queiram saber delas nem tenham condições emocionais e de vida para ficar com elas, e os prazos de tolerância para com a família natural vão de facto para além dos legalmente estabelecidos, pelo que muitas dessas crianças vão crescendo longe dos afectos que uma família adoptiva lhe poderia, e quereria, garantir, sendo grandes as listas de espera para adopção.</p>
Corpo do artigo
Vale quase incontestado o princípio da paternidade natural, tolerando-se que crianças vivam em situações degradantes com a família biológica - ocorrendo, por vezes, tragédias que resultam da negligência dos assistentes sociais no acompanhamento de crianças em risco - porque os seus direitos são encarados como absolutos, como formas sui generis de propriedade pela Segurança Social e tribunais. Ao mesmo tempo, e de forma contraditória, mantém-se a ideia de que a adopção só pode ser concedida em condições óptimas, e colocam-se exigências inimagináveis aos casais que a ela se candidatam. Por causa da morosidade na aplicação da lei, do sublinhar de cuidados necessários mas tantas vezes exagerados, de preconceitos jacobinos e de uma vasta teia de interesses, os processos de adopção são dolorosos, burocráticos e aviltantes, e muitas vezes interrompidos pelo súbito e interesseiro reaparecimento dos pais naturais.
A verdade é que a vida não traz selo de garantia. A ninguém pode ser dada a certeza de que nasce na mais estruturada das famílias ou naquela que tem melhores condições. Há crianças sozinhas e institucionalizadas. Há crianças que nascem no seio de famílias que correspondem aos padrões ditos normais, mas que são alvo de maus-tratos e de faltas de atenção diárias. Há crianças que são adoptadas por um casal heterossexual que logo se dissolve para os seus membros recomeçarem a vida com pessoas do mesmo sexo. Neste contexto, e até porque a criança que é adoptada apenas por um membro de um casal homossexual fica totalmente desprotegida e privada dos seus laços familiares caso morra o adoptante, pergunta-se se fará efectivamente sentido e será do interesse das crianças a discriminação positiva dos casais heterossexuais nesta matéria.
A decisão sobre a adopção deve depender sobretudo da análise do caso concreto, das condições das pessoas para adoptar, da própria criança e das suas condições de vida, o que não excluiria à partida a adopção por casais homossexuais, mas em termos puramente abstractos esse não me parece ser o melhor modelo. Em termos ideais, e na maioria das situações, entendo que a criança fica mais protegida se for adoptada por um casal composto por pessoas de sexo diferente. Não porque esse seja já o único padrão familiar aceitável, pois há hoje muitos modelos diferentes de família, mas porque o interesse superior da criança, que deve prevalecer sempre, torna preferível a existência de duas referências, ou de dois papéis diferentes (mesmo que ausentes) no casal, podendo a duplicidade de papéis maternos ou paternos perturbar a formação da criança. Será preconceito meu, mas creio que a opinião contrária, por moderna e relativista que possa ser, também contém um preconceito, ainda que de sinal oposto, e não superior ao meu. A criança a adoptar, por norma sujeita à partida a grande fragilidade emocional e afectiva, justifica esse cuidado redobrado.