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Como se fosse preciso, percebi que estava, mesmo, a ficar velho quando, sem que nunca tivesse feito trabalho académico sobre o assunto, passei a ser convidado para eventos que, de uma maneira ou de outra, lidavam com as consequências do envelhecimento. Aceitei, ainda assim, por entender ser este um tema que é urgente debater, antes que se venha a tornar um factor de divisão não apenas entre gerações, mas entre vários grupos sociais.
O impacto nas despesas com a saúde e as pensões são as implicações mais óbvias do envelhecimento. Perante o seu peso, tendemos a deixar de valorizar, e celebrar, o que deveria ser exaltado: o aumento da longevidade e a melhoria das condições dos últimos anos de vida. É verdade que isso acarreta custos e consequências que não podem ser ignorados mas, oxalá, todos os problemas decorressem do que não pode deixar de ser considerada uma conquista.
Ser parte de um debate com esta premência requer informação. Há questões complexas - a sustentabilidade do sistema de pensões -, há opções políticas - o financiamento do sistema de saúde ou do sistema de pensões -, mas há uma situação de base - o processo de envelhecimento da população - que se pode caracterizar sem ambiguidade. Medido pela percentagem de pessoas com mais de 65 anos no total da população ou em comparação com as pessoas em idade activa, Portugal aparece nos cinco primeiros lugares da União Europeia ou da OCDE. Quando, como é o nosso caso, são os descontos das pessoas no activo, mais propriamente as que estão empregadas, que financiam as pensões que são, a cada momento, pagas, o valor do índice não pode deixar de nos preocupar. E aqui fica, desde logo, patente uma dimensão adicional do problema, já de si complicado: as consequências, no emprego, da crise económica e das respostas políticas dadas. E um possível equívoco. Sendo certo que não se pode confundir a tendência estrutural para o envelhecimento da população, com incidências (dívida e défice públicos) que teríamos a tentação de considerar conjunturais, não é de todo claro que a recuperação do crescimento económico se traduza, só por si, num aumento do emprego suficiente para reconduzir a taxa de desemprego para os níveis pré-crise. O Banco de Portugal tem alertado para este aspecto, estimando que muito do actual desemprego se tenha tornado estrutural, exigindo políticas específicas cujo sucesso é, ainda assim, uma incógnita. Embora a uma escala diferente, as dificuldades que a economia americana tem experimentado na criação de emprego são elucidativas. A ideia de que não há um problema de pensões mas um problema de emprego, partindo de uma intuição certa, é falaciosa (e perigosa): a verdade é que não sabemos se somos capazes, e como, havemos de gerar o volume de emprego necessário. Não significa que não seja um tema prioritário, é-o, mas depositar todas as esperanças nessa solução é pôr demasiados ovos no mesmo cesto. Se falhar, ficamos em muito maus lençóis.
Poderá ser um truísmo dizer que precisamos de uma estratégia integrada, capaz de dar resposta aos desafios colocados pelas mudanças económicas e sociodemográficas, mas é isso que falta. Só assim evitaremos o simplismo das teses catastrofistas ("isto está tudo falido") ou as efabulações do "business as usual" ("o crescimento económico tudo resolve"). E aí, uma vez mais, vamo-nos deparar com os bloqueios decorrentes de uma administração pública segmentada que, com mais ou menos guião, é incapaz de gerar a resposta sistemática de que carecemos. O envelhecimento da população afecta um vasto leque de políticas, desde a economia ou o mercado de trabalho, à educação, segurança social ou o sistema de saúde. Cada uma destas áreas tende a ser gerida separadamente, envolvendo actores distintos, com a sua racionalidade política e corporativa própria. De um edifício com estas características só podem sair soluções parcelares que, mesmo quando visam a sustentabilidade financeira, hipotecam a sustentabilidade social. Não é uma questão de reforma do Estado. É de (falta de) coordenação política. Sem primeiro-ministro, não há reforma que se, e nos, salve.