Tinha 10 anos feitos há uma semana em 25 de Abril de 1974. Não tinha consciência política formada e nem sequer fiquei com uma história gira para contar na sempre popular pergunta "Onde estava no 25 de Abril?". Pelo meio da manhã fui forçada a regressar da escola por uma mãe preocupada com as filhas e com o abastecimento de conservas e água não fosse tudo aquilo dar para o torto.
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Mas o meu crescimento ficou para sempre marcado pela ideia de que tinha havido um "antes", em que a liberdade de que sempre gozei nem sempre teria existido. Apenas isto. A ideia de um "antes" que não me preocupou durante muito tempo mas que me tornou curiosa sobre quem o teria vergado.
Os capitães de Abril! Associei-os sempre a uma gente corajosa que se sentiu transbordar e se sacudiu da letargia dominante correndo não só o risco da revolução mas também o da sublevação, o que na vida militar é ainda mais perigoso.
Claro que as chefias acabaram por honrar a revolução dos capitães libertando-a, a seu tempo, do seu controlo. A postura sábia e igualmente corajosa do general Eanes fechava para mim um ciclo bem resolvido da história contemporânea.
E hoje, como então, estas são as ideias que me ocorrem quando falo do 25 de Abril. Militares que, de verdade, nos protegeram e nos garantiram a liberdade.
Portanto, para mim, como provavelmente para muita gente, celebrar o 25 de Abril - maxime os seus 40 anos de história - não faz pura e simplesmente sentido sem a sua participação na cerimónia da Assembleia da República. Na AR precisamente e não noutro local qualquer. Pelo poder do povo que só esta instituição representa. Como dizia o general Eanes, não estaríamos sequer à volta deste infeliz episódio se não fossem os capitães de Abril. Ou seja, não é matéria de opinião. É um facto. E celebrar um facto sem os seus fautores é pura e simplesmente desonroso. Sobretudo quando se alegam obstáculos da mais pura intendência formal que só apoucam quem por detrás deles se esconde.
Não quero saber qual é a norma e não quero saber qual seria a excepção mas quero que se perceba por que é que se insiste num erro, numa descortesia, numa total falta de sentido de Estado. Um povo que não honra os seus heróis é um povo sem memória.
Os capitães não são os donos de Abril? Os capitães fazem exigências arrogantes? Ou os capitães podem fazer um discurso subversivo? Todos os que os impedem de falar nestas circunstâncias ficarão, bem me parece, sob suspeita da mais mesquinha tática político-partidária. Tenho pena que a presidente da Assembleia da República não tenha percebido que este não é de todo "um problema deles" mas sim um "problema nosso", do povo, que devia saber interpretar.
Este meu sentimento não é tributário de uma memória de Abril muito focada na figura dos capitães. Como sempre na vida, os heróis humanizam-se e comentem erros. E eu acho que os capitães andaram mal em não estar presentes na cerimónia da AR nos anos anteriores.
A razão invocada não cumpre. Os capitães são mais do que eles próprios e a política do Governo é válida porque legitimada pelo voto popular. Não concordar com as orientações governativas de cada momento e por isso não marcar presença (segundo a informação veiculada) é confundir os cidadãos com as personalidades e a política com a liberdade.
Não os deixar falar - numa data tão excecional - é pura e simplesmente falta de respeito e essa tem de ter resposta à altura. Eu até prescindiria de qualquer outro discurso. E parece-me que não seria a única.
Em vez de meia dúzia de iniciativas, quase todas e como sempre em Lisboa, a Assembleia teria feito melhor se para além de nos pôr a ouvir os capitães nos mobilizasse a todos a repetir o extraordinário 1.º de Maio de 1974. Não para protestar, não para aplaudir. Apenas para celebrar com gente ao lado, em todas as cidades do país, a festa da rua, dos portugueses que apesar de tudo estão gratos e lembram bem quem, por eles e para eles, vergou março.