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Ar fleumático, sorriso denunciador do contentamento que lhe vai na alma, o secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, deu, ontem, uma conferência de Imprensa para esclarecer o que o próprio apelidou de "processo da Covilhã". Outros chamam-lhe o "caso Queiroz": no estágio da Covilhã de preparação para o Mundial, o seleccionador nacional de futebol terá destratado, com palavrões grossos, os homens da Autoridade Antidopagem de Portugal (Adop) que iam fazer um controlo aos jogadores. O desaguisado aconteceu a 16 de Maio. Os factos valeram um mês de suspensão a Queiroz. Descontente com tão escassa pena, a Adop, um organismo governamental, avocou o processo. E pumba: elevou o castigo para seis meses.
Há conclusões a tirar disto? Há três.
Primeira conclusão: já tivemos um seleccionador (Scolari) que esmurrou um jogador de uma selecção adversária para defender um jogador "nosso". Agora temos um seleccionador que maltrata os homens da Adop para... defender os jogadores. Resumindo: seja qual for o seleccionador, os jogadores, à força de murros e/ou palavrões, estarão sempre defendidos.
Segunda conclusão: Carlos Queiroz não soube sair quando devia. Sendo há muito evidente que na Federação Portuguesa de Futebol só o presidente o defende, e sendo há muito igualmente evidente que Laurentino Dias não morre de amores pelo seleccionador (foi o primeiro a dizer, intempestivamente, que os factos de que estava acusado eram graves, como se fosse ele o juiz do caso, e ontem acusou Carlos Queiroz de usar "truques de comunicação", isto é, de faltar à verdade), estava bom de ver que a coisa só podia acabar como acabou: com Queiroz a queimar o prestígio que acumulou durante anos de trabalho sério.
Terceira e mais importante conclusão: é estranho o conceito de justiça que anda aqui pelo meio. Carlos Queiroz foi julgado por um organismo governamental que é parte interessada na matéria. Basicamente, a Adop decidiu em causa própria. E fê-lo com um certo requinte: aplicou-lhe uma pena reduzida, por ter levado em linha de conta, entre outras coisas, as "diversas condecorações" com que Carlos Queiroz foi agraciado pelo Estado e pela Federação Portuguesa de Futebol. Não é difícil imaginar como o relator do despacho se deve ter divertido ao escrever esta verdadeira peça de humor. Eu, confesso, ri muito.