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A Ordem dos Advogados instituiu um exame obrigatório para os licenciados em Direito que queiram entrar no estágio para a advocacia. A medida é igual à que existe no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), que forma os juízes e os agentes do Ministério Público e que o próprio Estado tem vindo a adoptar em outros sectores. Ela constitui uma reacção contra a degradação do ensino do Direito em Portugal, onde, como se sabe, o curso se obtém mediante dois requisitos: o pagamento das exorbitantes propinas e o decurso do prazo de 3 ou 4 anos, conforme as universidades. De facto, hoje, praticamente não há reprovações e, com a entrada em vigor do chamado Processo de Bolonha, os cursos foram todos reduzidos para 3 ou 4 anos.
Por isso os diplomas já pouco ou nada valem. As universidades perderam a sua credibilidade, limitando-se a vender graus académicos (licenciaturas, mestrados e doutoramentos), por vezes ao desbarato. A sociedade está cheia de diplomados em que ninguém confia, pelo menos antes de testar os seus reais conhecimentos.
Os novos licenciados concorrem aos milhares e são recusados aos milhares, quer no sector privado, quer no sector público, incluindo no próprio estado. Aliás, o estado, que permitiu a redução dos cursos através do Processo de Bolonha, foi o primeiro a recusar os novos licenciados, pois nem com um exame permite a sua entrada no CEJ. Mas as universidades e os fariseus do costume (dentro e fora da OA) querem obrigar a Ordem dos Advogados a engolir aquilo que o próprio estado não aceita.
Seria inadmissível que o estado, que tão zeloso se mostra a impedir (e bem) a massificação de certas profissões liberais (como a de taxista, devido ao interesse público desse meio de transporte privado), viesse obrigar a OA a admitir todos os licenciados, mesmo aqueles que o próprio estado recusou.
O Estatuto da OA (EOA) admite que os licenciados possam aceder ao estágio de advocacia nos termos dos regulamentos aprovados no conselho geral (artigo 184º, nº 2). Por isso o actual conselho geral, por mim presidido, aprovou um regulamento estatuindo que o acesso ao estágio dos novos licenciados se faça através de um exame de âmbito nacional que admita apenas os que obtenham aprovação. Convém sublinhar que a alternativa a esta medida é a não entrada de nenhum licenciado (como acontece no CEJ) e não a entrada automática de todos eles.
Algumas luminescências invocam a norma do EOA que exige a licenciatura em direito aos que pretendem inscrever-se na OA como advogados estagiários. Mas essa norma foi redigida e publicada num tempo em que as licenciaturas tinham 5 anos e não 3 ou 4 como agora. Portanto, invocar essa norma para obrigar a OA a inscrever licenciados com três e quatro anos, é tentar aplicá-la mecanicisticamente a uma realidade muito diferente daquela a que se destinava quando foi criada.
Com efeito, a realidade de hoje nem sequer podia ser prevista pelo legislador do EOA, pois, se o fosse ele, optaria, seguramente, pela exclusão desses licenciados, como fez o CEJ. Aliás, houve um tempo em que o grau académico correspondente à frequência de três ou quatro anos era o bacharelato e não a licenciatura. E nunca o EOA admitiu que os bacharéis pudessem fazer estágio na Ordem dos Advogados.
Impor legalmente que se possa ser advogado com um grau académico inferior ao dos magistrados equivaleria à institucionalização de uma inferioridade funcional dos advogados, que iria degradar ainda mais a justiça e macular irreversivelmente a dignidade da advocacia portuguesa e do próprio patrocínio forense enquanto elemento essencial à administração da justiça. Os Advogados têm de estar, no mínimo, tão bem preparados, científica e profissionalmente, como os magistrados.
Por outro lado, qualquer jurista licenciado antes do Processo de Bolonha sabe que ao interpretarmos uma lei não nos devemos cingir apenas à sua letra, mas sim reconstituir a partir do texto o pensamento do legislador, tendo sobretudo em conta as circunstâncias em que essa lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º do Código Civil). Ou seja, uma lei nunca deve ser aplicada de forma literal e mecanicista.
O que todos podem ficar cientes é que a Ordem dos Advogados não pactuará com o facilitismo que grassa nas universidades portuguesas e muito menos com essa gigantesca fraude que é o Processo de Bolonha, cujo único objectivo foi o de obrigar os alunos do ensino superior a pagar uma parte dos cursos por um preço três ou quatro vezes mais elevado.