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O nível de insanidade a que chegou, chamemos-lhe assim, o "processo SRU" só podia redundar numa de duas coisas: ou o Porto afrouxava, mais uma vez, perante a perseguição de tipo kafkiana montada por um funcionário de Lisboa acobertado e espicaçado por quem, no Porto e nas imediações do Porto, vê nisto política e apenas política; ou a cidade se erguia em defesa de uma entidade fulcral para a fulcral reabilitação urbana do Porto. A cidade ergueu-se, o que, por ser coisa rara, se transformou num facto político da maior relevância.
Pequeno resumo para o leitor perceber melhor a importância do acontecimento. O Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) deve, desde 2010, 2,4 milhões de euros à Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) do Porto. Além disso, recusou-se a aprovar as contas de 2012, para "evitar a falência" (sic) da SRU. "Há uns que querem mandar e os outros que têm de pagar", gritou, na altura, Vítor Reis, o presidente do IHRU. O mal-estar, que já vinha em crescendo, galopou a partir daqui. Até atingir um ponto insustentável.
Como sempre acontece nestas polémicas, há argumentos bons e maus, atendíveis e desprezíveis dos dois lados. Quando assim é, pede o bom senso que fale quem manda. Rui Rio falou, pelo lado da Câmara. Ninguém falou pelo lado do Governo. Ora, o desprezo (o termo é mesmo este) a que a cidade foi votada pelo Executivo de Passos Coelho é absolutamente intolerável. É daí que nasce o grito de revolta do Porto, como o JN lhe chamou.
O grito tem um mentor: Rui Rio. E o "processo SRU" tem, aconteça o que acontecer, um vencedor: Rui Rio. O presidente da Câmara do Porto conseguiu juntar 50 personalidades ligadas à cidade (de Belmiro de Azevedo a Américo Amorim e ao bispo do Porto, passando por Artur Santos Silva e Daniel Bessa) em torno de um objetivo nobre, como mais nobre não há: defender a cidade do Porto, sustentando a defesa num argumentário coerente e exigente: de outra forma, não conseguiria arregimentar gente que pensa pela sua cabeça e que detesta envolver-se em conflitos estéreis e sem substância.
O presidente da Câmara do Porto fez política fugindo da politiquice. Fê-lo com engenho e arte: numa altura em que as autárquicas aquecem no Porto, qualquer movimento em falso teria deitado por terra esta demonstração de força e de vitalidade da cidade, coisa sem paralelo nos últimos anos.
Resta saber como responderá o Governo ao grito de revolta. Será um erro fazer ouvidos de mercador. Será um erro não colocar um interlocutor à altura a falar com a Câmara do Porto e a SRU. Será um erro que, desde logo, penalizará o candidato do PSD, a quem será muito difícil abordar um tema decisivo para a cidade sem atacar o Governo.