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Andar a pé é uma escolha pequena, mas cheia de significado. É o oposto da pressa. Um gesto quase político num tempo em que tudo pede velocidade, atalhos, produtividade e entrega ao minuto.
Quando caminhamos, não só nos deslocamos: percebemos. A rua não é só caminho, é lugar: cheira, soa, vibra. O piso irregular da calçada antiga, o cheiro de café à porta da pastelaria, a conversa meio solta de quem passa. Tudo isso faz parte do mapa invisível da cidade.
Andar a pé é um protesto. Contra a alienação do vidro fechado, do ar condicionado constante, do trânsito com buzina e da pressa que nos empurra sem saber para onde. Que nos faz sentir o vento ou a chuva. É um protesto suave, sim, porque não grita. Mas afirma. A cada passo, escolhemos o que vemos. Cruzamos olhares. Esbarramos em encontros. Paramos quando queremos. Mudamos de caminho porque sim. Reparamos no velho banco onde um senhor lê o jornal todos os dias, na buganvília que está mais florida esta semana, no cão da vizinha que já nos conhece.
Andar a pé é também reencontrar o corpo, o ritmo interior, a cadência da respiração. É o tempo do pensamento que se organiza sem esforço, um tipo de meditação com sapatos. A cidade, quando a caminhamos, devolve-nos alguma coisa: uma ideia, uma memória, um sorriso. Às vezes, até uma crónica. Por isso, sim: andar a pé é um protesto. Suave. Discreto. Mas poderoso. É a forma mais humana de nos movermos no mundo, e a mais bonita.
Vejamos: qual o primeiro desejo de uma criança? Caminhar! E qual o último desejo do ser humano? Não deixar de caminhar! Pensem nisto! Uma proposta tão simples de concretizar, que devia ser prioridade nos programas políticos dos novos autarcas.

