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Exige-se uma ampla percepção do funcionamento democrático e da lógica da representatividade para sabermos quem representa quem. Na política que hoje anda em braços com o Orçamento do Estado 2026 (OE26), no segundo dia de votação na especialidade, profetizamos um documento final a 27 de outubro que representa quem elegemos, mas, mais ainda, o pouco que sabíamos.
Uma reforma laboral deste calibre não constava do programa eleitoral do Governo que foi a votos em março do ano passado, como se atravessasse mudanças estruturais num passado longínquo e agora fosse obrigado a inverter o rumo. É certo que isso pouco interessa quando é pela flexibilidade que se norteia a gincana político-partidária, do "não é não" para "o que não era é". Mesmo que isso signifique trair o pacto entre a boa política e os cidadãos e as expectativas criadas ou prometidas em campanha.
Entre o arremesso da responsabilidade e o temor da oposição em ser uma força de bloqueio mal compreendida, há um peso pesado em cima da mesa, como se o elefante saísse do meio da sala para se juntar ao menu de todos. A execução do PRR é uma desculpa que todos agradecem. Mas não foi para isso que o fizeram, para ser um empecilho à governação ou ao mais elementar direito a exercer voz contrária. É espantoso o unanimismo para o que há-de ser.
São os portos seguros da inamobilidade e da confrangedora inacção, os que confundem o cumprimento de metas e a natural exigência de não comprometer os meios e o equilíbrio que o caminho requer, com uma atitude de flacidez perante reversões na lei laboral, que (justamente quando enxotamos trabalhadores migrantes - ao arrepio das vozes de quem os quer empregar - por medos que resultam de uma narrativa oca de sentido e desacreditada pelos números que todos conhecemos) atiram os trabalhadores para a precariedade, perda de direitos e para as lembranças do tempo de uma troika que em pouco se reverte e antes se agrava.
É difícil conceber que o bónus para as pensões fique dependente da evolução das contas públicas quando registámos um excedente orçamental de 6,3 mil milhões até setembro, uma subida de 610,8 milhões face ao período homólogo. O Governo cede nas férias e em alguns aspectos da flexibilidade no trabalho, mas percebe-se que faz contas de outro rosário. Com a oposição controlada, medrosa, desmobilizada e sem uma liderança ainda atestada, guarda a distribuição de benesses para o ano que antecede eleições. Enquanto a oposição executa um plano de recuperação, o Governo executa o seu próprio plano de resiliência.

