À primeira vista, as primárias pelas quais trinam boa parte dos socialistas podem parecer desenhar um passo gigantesco no sentido de aproximar o PS dos cidadãos e dos eleitores em particular. Porém, o preço a pagar por esse passo pode ser o de cair no vazio de ideias e de militância, ou seja, de uma parte genuína e boa do património da cidadania envolvida com a política em representação dos partidos. Destas primárias do PS pode sair um grande primeiro-ministro, mas não é certo que saia um partido engrandecido, simplesmente porque não se percebe como Costa e Seguro garantem alternativas para além daquele ponto de discordância em que cada um acha que pode ser melhor primeiro-ministro que o outro.
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Percebo a reação sanguínea de Seguro ao desafio de Costa para se enfrentarem em congresso. Ela é do domínio do intransmissível e para a definir tomo o título de um livro de crónicas de Manuel Dias, uma das penas mais brilhantes de "O Primeiro de Janeiro" e meu primeiro mestre na profissão: "As pessoas e as suas coisinhas".
Porém, a compreensão pelo mundo das pequenas coisas que inexplicavelmente se tornam mais importantes que as maiores não nos pode cegar: Seguro deveria ter aceite o repto de Costa para que as suas divergências pudessem ser debatidas e votadas, em primeiro lugar, por aqueles a quem ambos devem a existência política: os militantes do PS.
Os programas políticos deveriam ser autênticos guias para o serviço público que os partidos estejam dispostos a prestar. Para tal, deveriam resultar das melhores disputas de ideias, no lugar de excelência em que as alternativas podem ganhar força real ao serem sufragadas por aqueles que garantem a sua propagação, tão melhor quanto possam ser reconhecidos como credíveis mensageiros. Isto é tudo o que não pode estar confinado ao circo mediático em que a gravata ou o corte de cabelo se podem sobrepor às ideias para melhor servirem a propaganda. Essa mesma que tem afastado tantos eleitores e contra a qual deveríamos lutar com mais e melhores ideias. E ideias que se pudessem transformar em obras. E obras boas, se não para todos, para a grande maioria.
A verdade é que vamos ter uma eleição entre o atual líder e o desafiante para sabermos qual deles será o mais habilitado para disputar o cargo de primeiro-ministro. Estamos, assim, perante uma nova encenação em que aparentemente o PS andará em busca de pessoas nascidas para serem primeiros-ministros.
Ora, os partidos não são meras fábricas de primeiros-ministros. De outro modo, forças políticas tão decisivas para o futuro do Planeta como as ecologistas teriam como destino fatal serem desintegradas do arco-íris das democracias europeias.
Não queremos isso, pois não?