<p>A sorte de conhecer a Madeira ainda não me calhou. Dizem-me, amigos e conhecidos a quem a sorte já calhou, que se trata de uma terra a visitar, pela fantástica beleza que o arquipélago oferece. Ao ver o rasto de destruição e morte que o dilúvio deixou na Madeira, pensei que a tragédia deve doer mais a quem já passeou no Funchal e olhou de perto o deslumbre daquelas falésias. A mim doeu-me ver rostos de madeirenses desesperados, gente que perdeu tudo, sendo que, para muitos, tudo é pouco: é o pouco com que vivem, é a luta que travam para, numa terra que também é de enormes contrastes, conseguirem levar os dias. </p>
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É em nome deste povo, deste nosso povo, que se impõem o recato e o silêncio, a compaixão e a solidariedade. É em nome deste povo que se impõe o pudor. Logo discutiremos se o ordenamento do território, ou a falta dele, foi decisivo; se os supostos excessos cometidos no urbanismo ajudaram à catástrofe; se os planos de combate à intempérie estavam ajustados; se a culpa é mais do homem ou da natureza.
O tempo é outro: este é o tempo em que nos compete esquecer o acessório para nos focarmos no essencial. E o essencial é darmos, cada um de nós, o contributo possível para que a Madeira consiga erguer-se de novo e para que a vida dos madeirenses tome como bom exemplo o deixado por Francisco Bela, bombeiro de 1.ª classe que morreu para salvar uma vizinha que a enxurrada puxou com as suas mãos de ferro. Só com exemplos destes, de extrema solidariedade, é possível ajudá-los a recuperar de um horror tamanho como aquele que as televisões nos mostram.
Também por isto - ou melhor: sobretudo por isto -, merece condenação a tentativa de aproveitamento político que algumas forças partidárias tentaram fazer do caso, ao apressarem-se a procurar culpados, ao mesmo tempo que se contavam cadáveres e procuravam sobreviventes. Também por isto merece reflexão a atitude do primeiro-ministro e do presidente do governo regional: souberam afastar ódios em nome de um bem maior, coisa que, tristemente, não é muito habitual no nosso país.
A tragédia madeirense afastou para segundo plano os temas que vinham marcando os nossos dias. Eles hão-de voltar, rapidamente e em força. Talvez não fosse mau olhar para as tréguas decretadas por José Sócrates e Alberto João Jardim como exemplo daquilo que Portugal verdadeiramente precisa: união de esforços para seguir em frente afastando, um a um, os obstáculos. E os obstáculos são muitos e grandes, como se sabe.