A pandemia veio colocar problemas inesperados à extrema-direita populista que tem em Steve Bannon o seu mais notório ideólogo e organizador. O Brasil é, de há muito, especialmente vulnerável ao "contágio" cultural norte-americano, para usar uma palavra adequada aos tempos que correm.
Corpo do artigo
Assim, Trump, Bolsonaro e os seus fiéis pastores evangélicos procuram impor nos dois países um tipo de ligação entre o estado e a fé religiosa de que a Europa se livrou, por diversos modos, a partir das revoluções liberais do século XVIII: - até aí, em nome do cristianismo, foram lançadas as cruzadas contra os muçulmanos e, mais tarde, em nome da verdadeira fé, foi acionado o Santo Ofício da Inquisição e os reinos cristãos mataram-se uns aos outros por esta Europa, em sucessivas guerras "religiosas". A esta aparente regressão histórica nas Américas correspondem hoje, na Europa, os nacionalismos.
Boris Johnson não precisou dos pastores evangélicos que, aliás, aqui nunca atingiram um grau de influência comparável. Queria ele abandonar a União Europeia com ou sem acordo, para transformar o Reino Unido numa Singapura do Atlântico. De início, viu na pandemia uma oportunidade de rejuvenescer a mão de obra disponível e, no lugar da religião, serviu-se de uma falsa teoria científica - a imunidade de grupo - para deixar que o vírus cumprisse a sua função predadora. Só quando os cientistas do "Imperial College" o alertaram para o massacre selvagem que se avizinhava, é que mudou de estratégia e adotou as medidas de confinamento que tardavam. Ironia do destino, ele próprio acabaria contaminado.
Como explica Paul Mason no "Social Europe" de 6/4/2020, "o projeto de Boris Johnson está morto. Com a saída sem acordo do Reino Unido, queria desregular o mercado de trabalho e reduzir encargos com a proteção social e defesa do meio ambiente, atirando as culpas por tudo o que corresse mal para cima dos "imigrantes" e da Europa. Enfim, o mesmo programa que os seus correligionários do Brasil e dos EUA pretendem aplicar.
Os liberais clássicos apenas queriam desembaraçar-se do Estado. Estes falsos liberais precisam do Estado mínimo para reprimir os descontentes que não se conformem com as suas políticas brutais de destruição civilizacional. Entretanto, também a Suécia e o Japão acabaram por se render ao senso comum e ao medo da opinião pública, deixando em palco, sozinha, a pantomina "bolsonarista".
No Universo desregulado que aí vem, precisamos de nos acautelar dos demagogos que apelam aos sentimentos mais básicos - o medo e a xenofobia - para impor a sua "ordem" e atingir os seus reais objetivos. Porém, se houver coragem e determinação para os desmascarar, a solidariedade e a democracia hão de prevalecer.
*Deputado e professor de Direito Constitucional