Na manifestação de sábado dos trabalhadores da Função Pública "and friends", uma funcionária do hospital de Braga vituperava as transformações aí ocorridas que, entre outros malefícios, teriam lançado o caos nas urgências.
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Na origem, a concessão a privados e a redução do pessoal. Lapidar, rematava "com menos pessoal, a qualidade ressente-se". Em geral, as suas conclusões são meramente ideológicas: não há dados que as fundamentem, nem a mudança ocorreu há tempo suficiente para produzir resultados definitivos.
Daí não viria demasiado mal ao mundo: outros atribuirão as culpas ao Estado, por razões ideológicas simétricas. Preocupa-me mais quando, implicitamente, sugere uma relação linear entre mais pessoal e mais qualidade, uma mentira conveniente para um certo tipo de burocracia que ignora o papel da gestão, a evidência dos estudos e as lições da história. Esta maneira de pensar conduziu o Estado à situação actual, pondo em risco a manutenção de algumas das suas funções básicas, em particular na área da Saúde. Os seus proponentes não ignoram nem a escassez de recursos, nem os custos das suas soluções. Tratam da sua vida, transferindo para terceiros o ónus de as pagar. Embrulhada na retórica do bem comum e da gratuitidade dos serviços de Saúde, não deixa, ainda assim, de ser uma forma egoísta de estar que dá cobertura a comportamentos irresponsáveis do lado da procura.
O que é de graça não tem valor. Infelizmente, mesmo quando alguma coisa é oferecida, há sempre um custo a suportar, por alguém. Não há almoços grátis, dizem os economistas. Parece óbvio, mas não é. Quando há alguns tempos aqui referi o custo médio que cada português suporta com a Educação ou a Saúde houve quem se me dirigisse incrédulo.
Recorrendo aos inestimáveis serviços da Pordata (www.pordata.pt), o número aparece nu e cru: no ano de 2009, o Estado gastou, por habitante, mais de 900 euros com os serviços de Saúde, tenha estado ou não doente, tenha recorrido ao SNS ou pago as despesas do seu bolso. Este valor tem vindo a aumentar, frequentemente a ritmos inusitados e imprevistos. A Saúde tornou-se num cancro das contas públicas. Entre as razões para que tal suceda está um excesso de procura facilitado pelo equívoco do gratuito. Essa é uma das frentes em que é preciso actuar. Infelizmente, a demagogia tem campo fértil quando se trata da Saúde.
Correia de Campos, e algumas das medidas que propôs, foram disso vítimas. Repor taxas moderadoras mais elevadas, sobretudo quando se abusa dos serviços públicos, faz todo o sentido. Para que não houvesse dúvidas de que, ainda assim, as pessoas pagam apenas uma fracção do custo real, todas as instituições de Saúde deveriam emitir uma factura, evidenciando quanto aquele serviço ou operação custou ao contribuinte. Uma factura virtual, a entregar ao "cliente" dos serviços de Saúde, na expectativa de que este, quando visse quanto havia "gasto", percebesse os recursos que a sociedade teve de mobilizar para o servir e que, por isso, deixam de poder ser afectados a outras funções, na Saúde ou noutros domínios. Não chega, mas seria caminho andado.