1. O pacote de 78 mil milhões de euros que, supostamente, nos ajudarão a sair do atoleiro em que nos metemos foi ontem aprovado. E por unanimidade. Os ministros das Finanças da Zona Euro e da União Europeia rubricaram o cheque, dizendo a seguir que o pilim serve de sustentação a um programa de resgate "ambicioso" e que "salvaguarda os grupos mais vulneráveis na sociedade" portuguesa. Tradução: excluindo - e ainda bem - os "grupos mais vulneráveis", a dor atingirá sem piedade todos os outros. Como sempre, será a classe média a pagar a fatia de leão dos erros acumulados durante décadas.
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Tendo isto por certo e sabido, resta o mais complicado. Que é percebermos, todos, o alcance do que acaba de nos cair no colo: a ajuda financeira de 78 mil milhões de euros é, dadas as negras circunstâncias de hoje e o tempo nebuloso que se perspectiva para o amanhã da União Europeia, a última oportunidade para compormos o desarranjo das nossas contas públicas. Vale o mesmo dizer: para compormos o desarranjo das nossas vidas.
Diz o adágio e com razão: o pior cego é aquele que não quer ver. E está à vista de todos a impaciência dos contribuintes e dos líderes dos países que pagam a factura das loucuras dos prevaricadores. O cenário da provável reestruturação da dívida grega deve assustar-nos, porque esse poderá ser o primeiro passo para que a Grécia abandone o euro. Se as nossas contas não começarem a bater certo, a seguir seremos nós.
De modo que convém metermos na cabeça esta evidência: a fraca coesão política da União Europeia não permite grandes aventuras: se tivermos que cair por manifesta incapacidade em cumprir o que acordámos em troca dos 78 mil milhões de euros, é certo e seguro que cairemos. Hoje já estamos muito mais do lado do problema do que da solução. Se a coisa correr mal, deixaremos simplesmente de fazer parte do problema. Um drama de consequências imprevisíveis virá a seguir.
2. O estardalhaço provocado pela escolha de Fernando Nobre para o cargo de candidato à presidência da Assembleia da República obrigou o presidente da AMI a um prolongado recato mediático. Acabou ontem, dia em que Nobre decidiu espantar, outra vez, o mundo com uma entrevista em que a falta de substância política é contrabalançada com o excesso de prosápia. Para quem não teve oportunidade de ler a pérola no seu todo, aqui fica um pequeno exemplo. Diz Nobre, citando Ghandi, que "só não muda de percurso e de ideias quem não procura a verdade". Nobre já mudou de percurso várias vezes, como se sabe. Logo, uma de duas: ou a verdade não quer nada com ele, ou o presidente da AMI terá que mudar e mudar e voltar a mudar até achar a dita. Desejemos-lhe boa sorte.