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Numa das suas crónicas habituais, Miguel Esteves Cardoso pergunta, a propósito dos resultados das últimas eleições: o que faria Mário Soares? Interpela assim o PS, socorrendo-se da memória do papel de Mário Soares na defesa da liberdade e da democracia.
Ao ler a crónica fiz uma associação com a exposição sobre Sá Carneiro que visitei na Câmara Municipal do Porto. Através de cartazes, livros e fotografias depositados nos arquivos da Ephemera, é documentada a memória da vida, obra e pensamento de Sá Carneiro, devolvendo-nos o perfil de um político democrata e liberal, forjado ainda antes do 25 de Abril na luta pelas liberdades, desde logo na Ordem dos Advogados, ao lado de outros democratas liberais, como Salgado Zenha. Mas revela também, talvez para alguns de forma surpreendente, um político com especial sensibilidade social, evidente no núcleo expositivo sobre a reforma agrária.
Sá Carneiro não viveu tempo suficiente para colocarmos ao PSD a mesma pergunta: o que faria Sá Carneiro? Porém, apesar de uma vida curta, o seu pensamento e a sua visão para o país influenciaram os governos de Pinto Balsemão, Mota Pinto e Cavaco Silva, pelo menos até meados dos anos 90. Por outro lado, se Sá Carneiro se mantém ainda hoje uma figura de referência, um exemplo evocado por políticos do PSD, faz sentido perguntar-lhes quanto do que dizem e fazem se inspira no seu legado.
A questão tem pertinência porque os dilemas que o país enfrenta no combate à direita iliberal respeitam tanto ao PS como ao PSD. Os dois partidos representam a maioria dos portugueses que revelaram, com o seu voto, rejeitar serem representados pela extrema-direita nacionalista, agressiva e intolerante que, apresentando-se como antissistema, é de facto antidemocrática.
O risco de alastramento da extrema-direita existe. E ele é potenciado quando os partidos do centro entendem que a melhor forma de se defenderem eleitoralmente é adotarem, parcialmente, a agenda dos problemas nos termos definidos pela extrema-direita. E isto, infelizmente, está já a acontecer em temas como os da imigração e da segurança, ou mesmo da corrupção e da idoneidade dos políticos.
Os problemas existem. O que distingue os partidos democratas, liberais e humanistas da direita extremista e iliberal são as soluções que propõem para os resolver e os discursos ou narrativas que têm sobre eles. Por essa razão, os discursos de Lídia Jorge e do presidente da República, no dia 10 de junho, foram tão importantes. Como é importante o legado liberal e humanista de Sá Carneiro.