Milhares de pessoas acordaram a 24 de Junho embriagadas de consciência cívica.
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Para trás, a maior das festas de todas as noites do ano, horas religiosas pelas ruas entre as Fontainhas e a Foz com todo o centro em ebulição, povo fraternal em carrosséis, olhares luminosos acoplados a vinho e sardinhas, alho-porro em crise de extinção por honrosa homenagem à função plástica do martelo. Até à exaustão, as farturas a vapor. Os toques da madrugada e os abraços de cansaço. Memória. As mãos dadas para 2021, a fazer figas pelo que será possível. As reminiscências de 2019 e de todos os S. Joões que passaram empalideceram às 10 da manhã com a mensagem da Direcção-Geral da Saúde (DGS).
Não houve folião hibernado que aceitasse acertar os relógios com a pílula do dia seguinte da DGS. Quando nos aconselham, oficialmente, a festejar o S. João em segurança após a noite de S. João, instala-se um misto de incredulidade e irritação. Se é verdade que algumas festas acontecem no país nos feriados municipais do dia 24 (o S. João não é um privilégio absolutista da cidade do Porto e de Gaia), qualquer estrangeiro sabe que a noite de S. João se comemora a 23. Este ano, conscientemente, ninguém nas ruas. No dia seguinte, desconhece-se a razão pela qual a DGS quis fazer este triste caminho para a obtenção de um visto do SEF.
Num país geograficamente pequeno, o centralismo é um dos principais focos de tensão porque é absolutamente inexplicável, irrazoável e, a longo prazo, insustentável. O desdém e o desconhecimento do poder central face a uma realidade que devia ser una e, no limite, de boa vizinhança, faz da regionalização uma urgência para manter o país solidário, justo e funcional. A descentralização é uma miríade. Ilude todos aqueles que entendem deixar-se enganar por cantos de sereia temporários, transfere muitos deveres e poucos poderes, insidia discurso e impede a acção. Em última análise, impede a capital de o ser porque não sendo reconhecida como um centro de poder, identifica-se como um gerador de assimetrias.
A recomendação da DGS podia ser fruto do cansaço, do centralismo ou do desconhecimento. Mas não. Para mal de todos nós, resulta apenas de um momento de incompetência. Sem prejuízo de tudo o que de bom foi feito no combate à epidemia, este foi um momento risível de uma autoridade pública que devia zelar pela confiança que todos nós lhe devemos confiar. Não foi caso único. O mesmo havia acontecido na mensagem a destempo no dia de S. António, após a noite hipotecada. Aguardamos expectantes, no dia 1 de Janeiro de 2021, pelas recomendações de bom comportamento pandémico sobre a noite de passagem de ano a 31 de Dezembro.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico e jurista