O que implica ser “personalidade do ano”?
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Desde 1927, a “Time” seleciona a personalidade do ano que, “para o bem ou para o mal, mais influenciou os acontecimentos”. Aí, cabem também ideias, lugares ou mesmo tecnologias. Este ano, a revista norte-americana destacou Donald Trump, o político de todas as disrupções. O presidente dos EUA duplica a distinção que recebera em 2016, tal como reassumirá agora o seu lugar na Casa Branca.
Percorrendo os nomes selecionados nestes quase cem anos, reparamos que as opções têm sido maioritariamente políticas. No entanto, registam-se exceções. Em 1927, Charles Lindbergh, a primeira pessoa a pilotar um avião sozinho sobre o Atlântico, inaugurou essa longa lista; no ano passado, Taylor Swift, considerada uma das maiores artistas pop da atualidade, foi a eleita. Nesta iniciativa, há também algumas singularidades, como a integração de sujeitos coletivos, nomeadamente os cientistas (1960), as mulheres americanas (1975), os denunciantes (2002), o soldado americano (2003), os produtores de conteúdos na net e o manifestante (2011), bem como entidades globais, destacando-se precocemente a terra ameaçada (1988). Em tantos anos, este tipo de preferências apresenta-se em número reduzido, o que significa que, no final de cada ano, se impõe uma liderança que é sobretudo política e declinada no masculino. Todavia, tal reflete um mundo que é dado a ver a partir de uma cadeia de comando muito concreta em relação à qual outros domínios não sentem qualquer poder.
Analisando a restrita lista dos finalistas deste ano, salientam-se sete homens e quatro mulheres. Destes dez nomes, sete tiveram/têm/terão cargos políticos ou de vigilância política (Donald Trump, Claudia Sheinbaum, Benjamin Netanyahu, Kamala Harris, Jerome Powell, Elon Musk e Yulia Navalnaya), dois estão ligados a plataformas tecnológicas de forte intervenção cívica (Mark Zuckerberg e Joe Rogan). Fora desta lógica, está Kate Middleton, a princesa de Gales que, este ano, suscitou um debate sobre o direito à privacidade e à reserva em cuidados de saúde das figuras públicas.
Nesta lista, a minha preferência recaia no humorista Joe Rogan, autor do podcast “The Joe Rogan Experience”, que tem, em média 11 milhões de ouvintes por episódio, na sua maioria homens jovens, tendo sido considerado pelo quinto ano consecutivo o melhor no Spotify. Durante a campanha eleitoral norte-americana, difundiu uma entrevista de três horas com Donald Trump, a quem deu posteriormente apoio. Rogan não é a personalidade do ano da “Time”, mas o destaque da revista também foi influenciado por si. Trata-se, este ano, de uma escolha que se situa no polo do mal.