Há meio século, Maxwell McCombs e Donald Shaw formularam a teoria do "agenda-setting" que ainda hoje se revela profícua para pensar o jornalismo. Na sua perspetiva, os média noticiosos apresentam-se como instâncias de (re)produção de informação que orientam as audiências para aquilo que interessa debater. E isso nem sempre é benigno.
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Apresentada num artigo publicado em 1972 na revista norte-americana "Public Opinion Quarterly" na sequência de um estudo da campanha para as eleições presidenciais dos EUA de 1968, a teoria do agendamento enfatiza o papel dos média na criação da opinião pública. Seguindo esta linha, o destaque dado a um tema seria sempre proporcional à importância que a respetiva audiência atribuiria a esse assunto. E aí estão os média na sua dupla função de estruturantes e de estruturados em relação ao meio envolvente.
No entanto, o discurso jornalístico nem sempre tem capacidade de sobrepor o importante ao interessante, nem tão-pouco reúne meios para aprofundar temas ou dispõe de recursos financeiros para enviar os seus jornalistas para os lugares que mereciam maior escrutínio público. Por isso, corremos o risco de não seguir pelo melhor trilho e não raras vezes lá somos surpreendidos por realidades que parecem emergir subitamente, quando já estão em processo há muito tempo.
Imersos numa onda pandémica que começou no primeiro trimestre de 2020, ficámos sem grande disponibilidade para olhar para outras realidades. Daí, o Afeganistão ter rebentado como uma bomba inesperada. Normalmente o verão, com as fontes oficiais nacionais em pousio, dão mais espaço ao noticiário internacional, mas desta vez o choque redimensionou-se ao nível de um horror que custa a perceber, e aceitar. Haverá de permanecer no topo da atualidade mais alguns dias até que a agenda nacional produza outra(s) onda(s) que retenha(m) a nossa atenção. E lá iremos nós surfando vagas que muitas vezes ganham forma devido à ação (astuta) de determinadas fontes de informação.
Neste contexto, as redes sociais vieram criar ainda mais ruído e mais dificuldades ao complexo exercício de separar o importante do interessante. Façamos este exercício: sigamos a atualidade noticiosa com esta pergunta sempre presente: em que medida esta notícia interfere na evolução de determinado país/região/cidade ou influencia a minha vida? Com este mapa orientador, ficaremos certamente surpreendidos com a quantidade de peças que poderemos pôr de lado. Para ganhar tempo para valorizar o que faz falta saber.
Professora associada com agregação da Universidade do Minho