Não lidamos bem com a incerteza. Há toda uma ciência e indústria de previsões e análise de risco que "explora" isso, procurando oferecer-nos algum controlo sobre essa incerteza.
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Falhou a antecipar esta crise, mas está mais presente que nunca nas discussões que temos sobre ela e nas decisões que se tomam. Mas pior que não dominar a incerteza é a falsa sensação de domínio. Todos os dias ouvimos certezas quanto a conclusões opostas. Por vezes, em dias diferentes, da mesma pessoa... Neste contexto, a nossa ambição deve ser antes gerir a incerteza. Conseguir distinguir o que sabemos do que não sabemos para ir melhorando as nossas decisões imperfeitas. Para isso precisamos de dados fiáveis e acessíveis.
Esta semana foi conhecido um estudo da London Business School (Galeotti e Surico) que identificava que o excesso de mortalidade (face ao histórico) em Portugal entre 16 de março (data da primeira morte atribuída à Covid-19) e 5 de abril foi de 1058 vítimas. Três vezes superior ao número de mortes atribuídas à Covid-19.
Portugal é o país com maior disparidade dos quatro estudados, mas ela é significativa em todos. Será que a taxa de letalidade do vírus é afinal muito superior? Provavelmente, não. É mais provável que existam é muito mais infetados não diagnosticados (para além de mortes não decorrentes da Covid 19 mas de outras pressões que esta causa no sistema de saúde).
O estudo de Galeotti e Surico pretende mais alertar para o que necessitamos de saber (através de estudos de amostras populacionais). Outro exemplo: inicialmente, o vírus parecia afetar gerações diferentes em diferentes países. Seria possível que o vírus mutasse de país para país, afetando grupos geracionais diferentes?
Afinal, essas diferenças são, antes, o resultado provável de diferentes critérios de teste da população. Incluindo assintomáticos, detetam-se mais jovens. A ausência de critérios uniformes falsifica a comparabilidade dos dados entre estados.
Na ausência de dados agregados fiáveis, temos mais a aprender com casos de estudo como o de Favero, Ichino e Rustichini na Lombardia: se o número de camas em cuidados intensivos tivesse correspondido ao número de casos graves, a mortalidade teria sido, provavelmente, quatro vezes menor. Isto alerta para a importância de conter a doença de forma a que os casos graves não superem a capacidade do sistema de saúde.
Bons dados oferecem lições importantes. Mas só existem bons dados se escrutináveis por todos. A queixa mais comum na comunidade científica é a falta de dados ou a sua disponibilização seletiva. Confiar na ciência não é confiar em alguns cientistas. Não há boa ciência sem escrutínio dos dados por toda a comunidade científica. E não podemos esperar boas políticas sem boa ciência.
*Professor universitário