<p>Não acreditando ninguém que primeiro-ministro, ministros, dirigentes partidários e líderes sindicais foram tomados por um temor reverencial face às palavras de Cavaco Silva no Ano Novo, cabe perguntar porque é que, de um dia para o outro, com a mudança de ano, tanta coisa mudou.</p>
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Como se de um "click" se tratasse, professores e Governo puseram fim a quatro anos de duríssimas negociações que acabaram com milhares de professores na rua e uma ministra em situação de total incapacidade para ser reconduzida.
No Superior, os reitores, que durante tanto tempo lutaram por mais dinheiro, viram, anteontem, o ministro que sempre lhes opusera fazer das reivindicações deles palavras suas e assinar com eles um acordo de financiamento que Seabra Santos, o presidente do Conselho de Reitores, define como "a solução possível".
Para além disto, que não é pouco, uma carta do Governo aos partidos da Oposição abria portas para uma negociação que previsivelmente deixará que o Orçamento de Estado passe, garantindo ao país estabilidade política por mais um ano.
Terão sido as virtudes de um Governo sem maioria absoluta que nos trouxeram até aqui? A verdade é que, sendo uma escolha do eleitorado, uma maioria absoluta, podendo, é certo, ser perversa, não é necessariamente uma coisa má. O país caminhava (caminhará se não houver Orçamento aprovado) para uma ingovernabilidade que resultava em simultâneo do facto de o Governo agir como se não tivesse perdido a anterior maioria absoluta e a oposição como se tivesse ganho as eleições e pudesse aplicar o(s) seu(s) programa(s). O encontro de posições, é preciso dizê-lo, acontece porque os partidos à direita do Governo recuaram nas suas investidas constantes e o Governo cedeu para as soluções possíveis, para os mínimos onde sabia que podia conseguir acordos. Não deu aos professores a promoção automática que a todos contemplasse, nem matou a avaliação, mas deu-lhes o suficiente para que eles sintam ter ganho, nomeadamente porque acabou a distinção entre titulares e os outros e porque abriu caminho, deixou a porta aberta, a negociações que agora não puderam ser concretizadas. Com os reitores, o Governo não deu os 200 milhões que lhe tinham sido pedidos há uma semana, mas cedeu até aos 100, para o tal nível da "solução possível" e reconheceu atrasos face à Europa.
O que mudou realmente de uma semana para a outra foi a proximidade da discussão do Orçamento. Nem Governo, nem PSD nem CDS querem uma crise política que conduza a eleições. Por isso haverá acordo. Ao PCP e ao Bloco de Esquerda interessa sobretudo contabilizar descontentes, já que não é crível que o Governo possa acolher o essencial das suas propostas económicas.
Quer isto dizer que, passado o Orçamento, o tom voltará a subir? Possivelmente. Uma nova liderança do PSD e a consistência dos acordos que vierem a ser estabelecidos sobre este Orçamento de Estado podem , pelo contrário, garantir uma estabilidade mais enraizada e duradoura.
Se assim não for, um destes dias, Cavaco Silva terá de vir dizer aos dirigentes políticos que, mais importante do que terem garantido a aprovação do Orçamento, é assumirem um acordo de regime que estabilize o país durante toda a legislatura e permita a aplicação de medidas económicas consensualizadas que garantam alguma tranquilidade em tempos de crise. A justiça, estando como está, não pode ficar de fora desse consenso alargado. E, se assim for, ainda restarão matérias suficientes para que os partidos possam continuar a vincar as suas diferenças.