Por estes dias, reacende-se a noticiabilidade à volta de Tancos e, com ela, a nossa perceção de que aquilo que tem vindo a ser noticiado poderá ficar muito aquém dos acontecimentos. Fala-se de uma guerra de militares à volta da encenação montada para a devolução do armamento furtado. De quem concretamente? Porquê? No entanto, há que não esquecer também o assalto que, ao que tudo indica, terá sido feito por um ex-militar. Sozinho ou com a conivência de quem? E será que houve mesmo um assalto na data apontada?
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O ataque aos paióis de Tancos terá acontecido a 28 de junho de 2017, 11 dias depois do trágico incêndio de Pedrógão Grande. O país estava demasiado sucumbido perante um Estado incapaz de proteger pessoas. Agora parecia também incompetente para guardar armas de defesa. Rapidamente o assalto ganhou uma enorme dimensão política que, na ausência de um primeiro-ministro que estaria de férias, foi acentuada por um presidente da República que, desde logo, chamou a si o caso. A 3 de julho, à margem das comemorações do 237.º aniversário da Casa Pia, no Castelo de S. Jorge, disse que mais complicado do que António Costa se encontrar de férias, seria ele próprio estar naquele momento a gozar desse descanso, porque, argumentou, "há certas decisões que têm de ser tomadas e que não permitem substituição". Percebia-se a mensagem. A 4 de julho, o PR puxa o ministro da Defesa e os dois chefes militares envolvidos no caso (o CEMGFA e o Chefe de Estado-Maior do Exército) para uma visita-relâmpago a Tancos. Antes de se dirigir para aí e enquanto percorria os terrenos ardidos de Castanheira de Pêra, diz isto: "A minha posição como presidente da República e como comandante supremo das Forças Armadas é muito simples: tem de se apurar tudo, de alto a baixo, até ao fim, doa a quem doer. E apuramento quer dizer apuramento de factos e das responsabilidades". No final desse mês, na longa entrevista que concedeu ao "Diário de Notícias", Marcelo reconhecia que, neste caso, tinha ido até aos limites dos seus poderes. E dado uma enorme dimensão política ao sucedido.
A 18 de outubro, quase a totalidade do material roubado aparece na Chamusca, sendo essa localização comunicada através de um telefonema anónimo para a Polícia Judiciária Militar que deixa a Polícia Judiciária à margem desse resgaste. Os média noticiosos reacendem o tema, não se desviando, porém, de um ângulo noticioso que puxava a política para o centro das responsabilidades.
Agora, percebe-se que o caso poderá ter outras dimensões e aquilo que fomos sabendo será marginal ao que teria importado reter. Das detenções feitas, sobressaiu a do diretor da Polícia Judiciária Militar e, consequentemente, a ideia de que haverá uma guerra entre a PJM e a PJ. Perante os dados conhecidos, várias perguntas se impõem: o que significa essa guerra? O que se pretende? Como é possível isso ter feito caminho? Como se trava essa animosidade?
Neste contexto, será importante não perder de vista o assalto e as condições em que tudo se desenrolou. Por enquanto, terá sido identificada uma pessoa envolvida nesse roubo, mas certamente haverá cúmplices...
Desde o dia 28 de junho de 2017, muito se escreveu sobre Tancos. Percebemos agora que o discurso noticioso passou ao lado do essencial daquilo que se passou. Adicionalmente os média terão ainda sido manipulados pela PJM para criar uma narrativa sobre uma descoberta de armamento que foi antecipadamente preparada por quem a anunciou.
Tudo isto é grave. Muito grave. Envolvendo pessoas a quem entregamos a nossa defesa nacional, os factos ganham uma dimensão assustadora. Neste dossier, Ministério Público e PJ fizeram o seu trabalho. Mas precisamos de saber muito mais sobre o que se passou. Para ficarmos descansados.
PROFESSORA ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO MINHO