Parece que vai ficar tudo na mesma. Parece que temos medo de dar um passo atrás para depois dar dois à frente. Parece que nos deixamos armadilhar pelo discurso europeu. Parece que nos esquecemos que os mercados são mecanismos vivos e por isso reagem quando há mudanças, para pior ou para melhor. Parece que a palavra estabilidade tem o efeito de um spray paralisante.
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Parece que a Sra. Merkel ganhou. Que não vai perder um aluno dedicado antes das suas eleições nacionais. Pelo menos parece não ter regateado elogios e cumprimentos à nova ministra das Finanças (já tomou posse enquanto ministra de Estado ou tem de repetir?).
Depois, também parece que esta "nova" coligação já não é uma coligação entre dois líderes mas uma coligação entre as equipas de dois partidos. Parece que se fosse pelos líderes já não haveria energia. Parece que houve um grande esforço para embrulhar tudo outra vez e parece que o embrulho se vai rasgar a qualquer momento.
Deve ser por isso que Paulo Portas parecia que se atropelava em explicações na Comissão Parlamentar sobre o caso do avião bolivariano. Pelo menos falava de qualquer coisa vagamente técnica (com direito a muitas citações de tratados e convenções) enquanto o ministro que já foi e outro que parece que vai ser.
Parece que foram todos a Belém cumprir um ritual sem que ninguém espere um rasgo que surpreenda. De ninguém.
Parece que haverá uma nova composição do Governo mas parece que não corresponde a nenhuma mudança de estratégia. A não ser que Maria Luís Albuquerque não seja quem parece e então Paulo Portas possa finalmente deixar de parecer e tentar ser.
Parece que a operacionalização dos cortes no Estado segue como se nada fosse e que o novo ministro da Economia - a haver - vai mesmo ter de ser criativo para dar a volta a uma recessão europeia mais grave do que se imaginava e ainda a um novo corte no rendimento disponível de muitos portugueses com os conhecidos efeitos na nossa procura interna.
Sim, porque parece que já toda a gente já se esqueceu do plano para o Fomento Industrial ou das medidas de estímulo à economia e ao emprego consagradas desde janeiro de 2012 no acordo tripartido com os parceiros sociais.
Até parece que Lobo Xavier de tão zangado que ficou com a atitude do ministro Paulo Portas se esqueceu da reforma do IRC.
Parece que estamos todos obcecados com o 30 de junho de 2014. Parece que o memorando de entendimento se cumpre se chegarmos até lá com o mesmo Governo, e não se cumprirmos as metas ou as reformarmos a tempo.
Isto porque parece que apesar do FMI gritar a plenos pulmões que se enganou ninguém parece querer alterar as contas ou as receitas.
Parece que não é evidente que o consenso político e social será o nosso único garante para uma negociação na Europa e nos mercados e que este só se consegue se mudarmos de protagonistas.
Parece que ninguém se lembra que só o PSD e o PS representam o conjunto do eleitorado nacional (dos que ainda votam, claro). E parece que ninguém está disposto (nem PS, nem o Sr. PR) a pré-formatar esse entendimento que a funcionar poderia ser uma alternativa mais cedo e mais sólida.
Parece que o PS pode preferir coligar-se com o PP e parece, pelos vistos, que será uma péssima ideia.
Mas no meio disto tudo, o que parece mesmo mal é esta sensação de que tudo é um espectáculo, com poucos atores, já muito gastos e sempre longe, muito longe da vida de todos os dias.
Parece que não há respeito, que não há memória, que não há brio, e que não há noção de coisas tão gritantes como a fila dos que nestes dias quentes, no Porto (como noutros sítios), esperam pacientemente para poder reformar os seus contratos com o SMAS porque já só podem pagar a água a prestações.
Em tempo: Escrevi tudo isto antes de Cavaco Silva falar. Podia facilmente reescrever. Mas é com gosto que espero para ver se, afinal, em política, o que parece nem sempre é. E que de Belém ainda se pode esperar um rasgo, dos de rasgar.