1.São estranhos os tempos políticos que estamos a viver. Multiplicam-se os jogos de sombras, as declarações com sentidos duplos e triplos, os apelos tonitruantes embrulhados em ideologia barata mas que, afinal, não passam de dissimulações. O pano de fundo, mais do que isso, a causa que precipitou toda esta agitação socialista, foram as sondagens em que o PS desce bastante e o PSD sobe categoricamente. É a primeira vez que Sócrates se vê tão seriamente ameaçado pelos estudos de opinião desde que é líder do PS, já lá vão quase seis anos.
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No meio desta alteração da "pole position" para umas possíveis Legislativas antecipadas, os socialistas enrodilharam-se atabalhoadamente na questão das SCUT, repudiaram o seu currículo europeísta entregando-se a uma retórica irresponsavelmente "nacionaleira" e anticastelhana, o veto de Sócrates à intenção da imensa maioria dos accionistas de vender a Vivo foi considerado ilegal pelo Tribunal de Justiça europeu, e, pior, Portugal continua imerso numa crise que é bem mais grave por cá do que na esmagadora dos lugares com que gostamos de nos comparar e já começa a ser penoso observar os "spin doctors" do Governo a repisarem as suas juras pífias de que a crise é exclusivamente internacional e que as coisas, por cá, até nem andam assim tão mal.
Os socialistas encetaram uma tumultuosa ofensiva política contra a nova liderança do PSD no esforço, imponderado, de reverterem as sondagens. Usaram tudo o que tinham à mão: atacaram ferozmente uma proposta de revisão constitucional que ainda não é conhecida (!?) mas cujo conteúdo (lido nas estrelas, talvez) já foi antecipadamente rechaçado; agitaram o fantasma bacoco do ultraliberalismo contra o PSD; tentaram rotular Passos Coelho com epítetos que parecem repristinados dos idos do PREC a propósito de uma visita ao PP espanhol que já estava agendada há meses - Santos Silva, Vitalino Canas, Silva Pereira e o próprio José Sócrates, agrediram desenfreadamente o mesmo líder político que ainda há pouco elogiavam como parceiro de tango.
A virulência desta investida está contextualizada nos resultados das sondagens e na tentativa de criação de casos(inhos) que façam esquecer o péssimo desempenho do Governo face à crise - mas isso não explica tudo o que se está a passar.
2. Ao mesmo tempo, outras personalidades na área socialista estão a indicar precisamente o contrário: em poucos dias, Vera Jardim, Miranda Calha, Ferro Rodrigues, Jorge Sampaio e Proença de Carvalho (este último não é um socialista mas existe uma proximidade inegável com Sócrates) fizeram apelos para uma coligação PS-PSD. Entretanto, o acordo que viabilizou o PEC II tem duração limitada até Dezembro - mas Teixeira dos Santos já avisou que a sua lógica tem de permanecer nos próximos dois anos, logo considera o apoio do PSD indispensável.
Das duas, uma: ou estes dirigentes socialistas estão a fazer o papel de franco-atiradores, totalmente em desacordo com a recente linha táctica de Sócrates; ou o PS está a jogar ao mesmo tempo em dois tabuleiros discrepantes.
O PS tenta desfazer o PSD e, simultaneamente, casar-se com ele. Fazem-no por medo - lembram-se da tese que garantia que Sócrates e Passos Coelho eram irmãos gémeos? Grande parte deste alvoroço resulta da descoberta de que, afinal, são políticos muito divergentes e que o PSD se tornou alternativa. A melhor maneira de debilitar Passos Coelho é associá-lo à governação, igualá-lo à inépcia socialista, esbulhar-lhe a diferença que tanto os assusta. Outra forma mais ínvia, que já não deve tardar muito, deverá constar de um "caso" qualquer em que Passos Coelho seja enfiado numa posição incómoda, análoga, ainda que remotamente, aos escândalos incessantes em que Sócrates tem estado envolvido.
Sócrates está a coagir Passos Coelho à união mas, paradoxalmente, ameaçando-o com uma guerra sem quartel que a juventude desta liderança do PSD poderá não aguentar.
A angústia socrática, incitada pela percepção de que o seu poder está na agonia do fim, arrisca-se a despenhar o país numa crise política de efeitos imprevisíveis.