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1. O corte dos subsídios de Natal e de férias aos trabalhadores e reformados da Função Pública é a confissão de que as proclamações sobre a capacidade de reforma da Administração Pública, feitas enquanto Oposição, não passavam de bravatas. Mudar o Estado não funciona como um pudim instantâneo, nem se alcança com medidas de cosmética. Demora o seu tempo se o propósito for a reforma e não a simples demolição.
2. Perante uma medida tão drástica, Passos Coelho deveria ter dito qualquer coisa como "Desculpem o mau jeito. Teve de ser. Pelo menos ainda têm emprego garantido!". O valor dessa contrapartida é mais evidente se atendermos às declarações de empresários e gestores sobre a eventual generalização dos cortes ao sector privado: "Não é preciso. Temos outros mecanismos de ajustamento, como o despedimento". Poder despedir vale, para eles, mais do que a redução da despesa com subsídio de Natal ou férias. Esta frontalidade suscita a questão: não será preferível para os trabalhadores tomar a iniciativa e tentar negociar um sistema de remunerações flexível, com uma componente variável, em troca da estabilidade do emprego? A Alemanha pode servir de exemplo.
3. Se não for de uma forma negociada, pode suceder que a descida dos salários venha a acontecer, mais uma vez, por ter de ser. Não vale a pena tentar iludir a realidade. Vamos aos dados: entre os 27 países da União Europeia, Portugal está em 22.º no que à produtividade na indústria se refere. Queremos, certamente, evoluir para modelos económicos menos dependentes dos custos. Só que isso não se faz nem por decreto, nem de um dia para o outro. Mesmo que se consiga libertar o crédito bancário, não temos empresários ou gestores, velhos ou jovens, em número e com capacidade suficiente para, no curto prazo, liderarem uma rotura com impacto na estrutura económica e nas exportações. Os poucos casos que há dão mais notícias do que facturação. Desistir e iludir são dois verbos que se conjugam na negativa: não podemos desistir; não nos devemos iludir. A realidade, nua e crua, é que, em muitos sectores, ainda concorremos com base no preço, continuando os custos salariais a ser um factor decisivo. É preciso pensar o futuro com os pés assentes na terra. Manter o emprego hoje, crescer amanhã, não parece desasado.
4. Admito que o Governo (ou parte dele) toma estas medidas não por acreditar nelas mas por as considerar indispensáveis na recuperação da credibilidade necessária para renegociar. Ter o PS a bordo é crítico, todos o sabem. Tal como anunciado, é difícil aos socialistas aprovarem o Orçamento. Será o PS capaz de elaborar alternativas, aceitáveis pelo PSD e CDS, sem penalizar tanto os funcionários públicos nem onerar as empresas?
5. Manter o IVA a 6% nos produtos agrícolas faz sentido, mesmo abrangendo, também, os produtos importados. Já a passagem para a taxa de 23% dos derivados dos produtos agrícolas é um equívoco. Vejamos se nos entendemos: se queremos evoluir para produtos mais sofisticados, com maior potencial de valor acrescentado, temos de perceber que isso sucede nos bens objecto de transformação. A indústria é essencial para aproveitar a investigação e dar expressão à inovação. Tornar os seus produtos mais caros penaliza e desincentiva. Não devia ser assim. Nem tinha de ser.
P. S. : No "Expresso", Miguel Sousa Tavares voltou a manifestar a sua Portofobia, tendo a Metro do Porto como vítima. MST confunde dívida com prejuízos; ignora que o metro de Lisboa tem menos 17 km de linha que o do Porto e não o triplo, como afirma; assevera que a oferta excede em 400 vezes a procura (com 55 milhões de passageiros já transportados, era obra!) quando, se não fosse preguiçoso, a consulta da página da empresa dir-lhe-ia que a taxa de ocupação ronda os 20%, ligeiramente abaixo da de Lisboa. Poucas vezes alguém terá faltado tanto à verdade e demonstrado tanta incompetência, em tão poucas linhas. Se tiver vergonha na cara, MST pede desculpa e faz uma sabática. Paris adequa-se-lhe.