Há um certo clima político e moral que se vem instalando no espaço das redes sociais e nos média que me perturba. Falo de uma cultura da vulgaridade, da grosseria sem travão, da frivolidade manifesta na facilidade com que se afirma, sem pudor, o egoísmo mais tacanho, se assume o desinteresse pela verdade em prol da conveniência do que "me dá jeito", e tudo isto é expresso na enxurrada selvagem de uma linguagem primária, sem decoro, que transforma as palavras numa exibição de força e violência.
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Seguramente estes comportamentos não são novos, mas encontram-se, hoje, exponenciados e vulgarizados como "normais", através de um espaço mediático que não só os propaga, mas os usa como base de apoio à disseminação intencional e programática, de sentimentos obscuros, onde prosperam medos e ódios, rudeza e ignorância. Através dos braços difusos da net, estas atitudes espraiam-se na vida concreta: ocupam espaço público nos jornais, na TV, nas escolas, nas conversas de autocarro, ecoando como ruídos de uma caixa de ressonância escura. Não tomemos por ligeiras estas atitudes: são os pontas de lança da irracionalidade, do ataque corrosivo através da mentira, da intriga e difamação leviana, aos valores e princípios onde sediamos a convivência, as relações interpessoais, a tolerância e respeito que são a luz essencial e mais pura das democracias.
Assistimos hoje no Mundo a transições progressivas de democracias em estados totalitários, sem que se quebre a continuidade formal da ordem institucional. O radicalismo está em ascensão e ergue-se como ideologia dominante, contagiosa, sedimentada na defesa dos valores protecionistas de uns contra o ódio e a agressão aos outros. Os pequenos comportamentos não são inócuos; são o tecido social por onde flui a ideologia; a trama que manipula medos e aspirações, preparando e legitimando a intervenção totalitária - a mão forte que traz a ordem.
As sombras crescem no silêncio e, sem percebermos, a noite cai. Adormecidos ou entretidos, não vemos a película húmida que se nos cola à pele e, como um vento frio, entorpece a alma e paralisa a ação.
Professora Coordenadora do Politécnico do Porto