<p>Tudo começou com a sempre venenosa, mas ainda suave, brisa dos boatos, e acaba num grosso escândalo político. O caso Freeport transformou-se em caso Lopes da Mota, e este em caso Eurojust.</p>
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Saiu da esfera citadina para a nacional, e desta para a escala europeia.
Começa por se salientar a complexidade das ligações do procurador inquirido, nos termos da Lei 36/2003, que estabelece as regras de nomeação para a agência internacional, do Estatuto do Ministério Público (Lei 60/98), e da norma europeia de criação do Eurojust (2002/187/JAI).
Se, enquanto magistrado do MP, o visado está disciplinarmente sob a alçada do PGR e do CSMP, e se, tecnicamente, no Eurojust, tem também na génese uma ligação ao procurador- geral (que o propõe, ouvido o CSMP), há uma conexão política evidente com o Executivo, dado que é um despacho conjunto de dois ministros que o nomeia para o cargo internacional.
Quanto à condição de Lopes da Mota como presidente do Eurojust, não decorre já de leis internas portuguesas, mas da votação do colectivo europeu.
Embora o Eurojust seja um colégio profissional de coordenação, no combate ao crime especialmente grave, organizado, danoso ou sofisticado, o seu papel na ordem interna dos estados é sobretudo de facilitação, ligação, proposição e pedido de informação.
É pelo menos embaraçoso que existam, sobre o presidente do órgão europeu, suspeitas de pressão num processo que se enquadra, com precisão, nos delitos que interessam o Eurojust, e para os quais foi criado.
Este embaraço não se resolve com o comunicado de 15 de Maio, transmitido por Joannes Thuy, citando "notícias" da Imprensa "portuguesa e internacional", mas reconhecendo depois que há um "processo disciplinar". O referido comunicado desrespeita regras básicas de esclarecimento público, na medida em que omite as causas do procedimento disciplinar, dando a entender que ele se baseia nas aludidas "notícias", o que é, como se sabe, falso.
Na verdade, o procedimento estriba-se num inquérito interno do MP, resultante não de rumores de Imprensa, mas da participação atempada dos magistrados que se sentiram pressionados.
O mesmo inquérito, ao contrário do que se costuma dizer, não só não prescindiu do princípio do contraditório, como ouviu a versão do procurador acusado, detalhou-a, confirmou-a, ponderou-a e concluiu sobre ela.
O Colégio do Eurojust precisa assim, urgentemente, de regressar às boas práticas, e produzir um comunicado mais rigoroso e unívoco.
Tanto mais que o caso está a inquietar vários magistrados de estados-membros, como se vai já sabendo à boca pequena.
Tudo isto terá levado o PGR português a rever a participação do Eurojust na investigação substantiva do Freeport. Pode Pinto Monteiro fazê-lo, na medida em que o artigo 9 da norma 2002/187/JAI submete ao direito interno português as circunstâncias do mandato do representante nacional, e permite (número 3) que as autoridades judiciárias nacionais redefinam os laços, numa base casuística. Por outro lado, também o artigo 12 da Lei 36/2003 permite ao gabinete do PGR, entre outros órgãos nacionais (por exemplo, o DCIAP), chamar a si a competência de representação nacional no Eurojust. O procurador-geral da República não é o imperador Diocleciano, mas dirige, coordena e representa, no topo da hierarquia, o Ministério Público.
Dele se espera, com tranquilidade e confiança, uma mão justa e serena em todo este apocalíptico caso.
Não se intimidará, certamente, com o facto de o rato ter parido uma montanha.