Está por apurar o número de baixas médicas pelas quais será responsável a seleção nacional nas últimas horas. Embora admissível haver no público e no privado trabalhadores cujas indisposições condoeram alguns clínicos, o essencial de um certo tipo de fraude vai muito para lá dos efeitos provocados pela exibição depressiva de Cristiano Ronaldo & C.ª... A sério: nos vários patamares da corrupção do país, as baixas médicas ficcionadas não são negligenciáveis; provocam um rombo sério nas finanças públicas e colocam em xeque as bases do Estado social.
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Uma e outra vez, a pedido de sucessivos governos, a investigação às baixas fraudulentas tem ocupado a Polícia Judiciária. Já foram detetados múltiplos casos de médicos envolvidos no despacho sem critério de trabalhadores para a "baixa" - ficou famoso um que passou 2800 só num ano! - e, de vez em quando, o apertar da fiscalização e das chamadas juntas médicas extermina casos, embora o erário público não seja devidamente compensado das vigarices.
As baixas médicas a pedido são, obviamente, transversais. Não são exclusivo só do setor privado ou do setor público. Enfatizada a suspeita da generalização do problema, o último relatório da Caixa Geral de Aposentações radiografa bem o essencial: dois em cada três funcionários públicos submetidos a junta médica em 2013 estavam aptos para trabalhar. Isto é: 66% dos alegados doentes (3578) beneficiavam dos apoios do Estado por mera complacência dos clínicos que lhes declararam incapacidade temporária. Está bom de ver: entre a fraude e a corrupção, milhões de euros foram derretidos. Mais correto: são derretidos todos os dias por falta de escrúpulos de quem tem a responsabilidade profissional e ética de validar situações de inoperacionalidade.
Há, evidentemente, um longo caminho a percorrer no combate aos oportunismos e ao delapidar das finanças públicas. O caso das "baixas" fraudulentas será uma gota de água no oceano das vigarices da coisa pública, mas não é por isso menos relevante - nem legitima silêncios.
Reativa sempre e quando os interesses próprios são colocados em causa por qualquer decisão governamental, registe-se o silêncio, de certeza mais acabrunhado do que cúmplice, da Ordem dos Médicos sobre o relatório da CGA agora conhecido. A classe médica não sai nada bem do filme das "baixas" a pedido e não ficava nada mal à Ordem ser a primeira a condenar uma parte do seu rebanho.