A EUROPA de hoje é uma soma de factores pouco solidários. "Austeridade" consta do vocabulário de muitos dos parceiros europeus, pouco disponíveis para pagar os maus hábitos de outros.
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Imagino que tenha custado ao primeiro-ministro recuar na decisão das grandes obras. Imagino que lhe tenha custado recuar em obras que acreditava serem importantes para o progresso do país e acredito que lhe tenha custado dar o braço a torcer numa decisão que tantos economistas e políticos contestavam.
Seria preciso conhecer a fundo as razões do recuo de José Sócrates para percebermos em que ponto estamos. Seria preciso, por exemplo, sabermos se o primeiro-ministro recuou porque a pressão do homem bom que tem à frente das finanças se tornou excessiva, ou se ele próprio percebeu que, ou não haveria possibilidade de montar a engenharia financeira necessária aos projectos, ou, havendo essa possibilidade, os custos seriam insuportáveis, tão caro está o dinheiro. Ou seja: o que seria útil saber neste momento é se estamos perante um primeiro-ministro que continua a decidir ou diante de um primeiro-ministro que recua consoante as condições exógenas se vão tornando mais difíceis. José Sócrates, como qualquer político, não deve, por regra, deixar perceber as medidas que vai tomar. Mas a verdade é que não pode e não deve fazer viragens de 180 graus de um dia para o outro. Muito menos sem explicar porquê. Nos discursos mais recentes, as obras não parariam e qualquer alusão ao assunto mais parecia um sacrilégio. Afinal…
Quando Mário Soares e outros políticos conduziram o país para a União Europeia, afirmava-se que a nossa adesão reforçava a democracia (a Europa unida não permitiria o regresso do fascismo) e poria ordem na nossa economia. Acreditando na primeira hipótese, os portugueses tomaram a segunda asserção como garantia de que depressa chegaríamos ao nível dos nossos novos ricos parceiros. Um engano, que nem os fundos europeus corrigiram. Hoje, a palavra austeridade consta do vocabulário de muitos desses parceiros, pouco disponíveis para pagar alguns dos maus hábitos dos outros. O embaixador José Cutileiro escrevia no "Expresso"que "Helmut Kohl dizia que ele e Mitterrand pertenciam á última geração de chefes políticos europeus que se lembrava da guerra. Os que viessem a seguir teriam ainda ouvido falar dela. Quem a esses sucedesse só saberia dela longe de mais para a sentir. Ou se tomavam depressa as medidas necessárias à construção de uma Europa política forte ou o tempo de o fazer passaria, porque os dirigentes nacionais teriam perdido convicção".
Assim foi. Hoje, a Europa que, em bloco, poderia ser uma defesa intransponível em tempo de crise, revela-se uma soma de factores pouco solidários, o que por maioria de razão nos obriga a termos consciência do preço certo. No caso do TGV, na parte que estava adjudicada, sabemos que o preço será alto. No caso do aeroporto e da terceira travessia do Tejo o preço, se as condições forem as actuais, será proibitivo. A dívida está aí para ser paga e não podemos contrair mais. Temos finalmente a oportunidade de mudar de vida: ou produzimos mais e melhor ou temos de baixar os nossos gastos.
Voltando ao princípio, as perguntas são: Sócrates não sabia o preço certo ou não quis acreditar na dimensão da crise e esperou por um milagre? E algum dia nos explicará os porquês de tão súbita mudança?