O padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), disse ontem em Fátima que a Igreja vê as greves como uma espécie de último recurso a que os fustigados e indignados trabalhadores devem recorrer apenas e só quando estão cortadas todas as pontes de diálogo entre as partes em litígio.
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A doutrina social da Igreja reconhece a greve como um direito legítimo de quem trabalha, mas, de acordo com a padre Morujão, a crise que nos apoquenta ainda não éuma coisa "trágica, nem catastrófica", pelo que a Igreja não dará a sua benção às manifestações de rua que se adivinham, desde logo porque quem as paga, ao fim e ao cabo, "são todos os contribuintes".
Palavras sábias, estas de Manuel Morujão. Adorava que o padre lá da minha terra, muito mais rijo e intransigente do que o porta-voz da CEP, tivesse no coração e na alma este espírito conciliador, agregador, pacificador. Mas o padre lá da minha terra é mais do género tudo ao molhe e fé em Deus (com o devido respeito por Ele).
Mesmo sabendo que "estamos num atoleiro", mesmo sabendo que "ainda falta a implementação e o anúncio de muitas medidas que não vão minorar as dificuldades que actualmente sente o povo português", o padre Morujão ainda tem força para acreditar no "bom senso" e na "educação" dos indígenas. É uma imparável demonstração de fé. Que devemos seguir e aplaudir...
Tristemente, os factos, inexoráveis como são, chocam com a bonomia do presidente da CEP. Por muito que lhe possa custar, os estudos mais recentes feitos sobre as greves mostram que os portugueses são fãs das ditas. Em bom rigor, só os franceses e os gregos nos batem, quando se enumeram os dias de protesto. Os sindicatos vêem nisto uma impressionante demonstração de força do "povo". Os mais maldosos, aqueles que se incomodam (não se percebe bem por que motivo) quando reparam que as greves são marcadas em dias que antecedem feriados ou fins-de-semana (ou ambos), vêem nisto uma manifestação de mandriagem. A versão certa há-de andar algures entre os dois opostos...
Acresce que, tal como as coisas estão, por muito que a Igreja queira ser "parte da solução" e por muito que a Igreja apele à "concertação" e ao "diálogo", é bem provável que, nos próximos tempos, venhamos a ultrapassar franceses e gregos no ranking dos mais grevistas. As dificuldades económicas e sociais das famílias, a perda de regalias embrulhadas no pacote dos "direitos adquiridos", a azia dos defensores do corporativismo mais tacanho, tudo concorrerá para que os ânimos se exaltem. E este é, como o padre Morujão sabe, um terreno bastante fértil para quem coloca a aparência à frente da essência. Isto é: para quem, como os líderes de muitos sindicatos, preferem o ruído da rua à negociação do gabinete. A primeira passa nas televisões; a segunda não.
De modo que, ao contrário do que deseja o padre Morujão, vêm aí greves aos molhos. Tenhamos, ainda assim, fé.