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1. As negociações entre Tsipras e Merkel ficam suspensas, os gregos avançam para o referendo. É a democracia a funcionar, dir-se-ia. Ou talvez não. Porque não há acordo sequer sobre o que se decide com o referendo. Formalmente - é essa a pergunta - os gregos são chamados a aceitar ou não o acordo (ou ultimato) apresentado pelos credores. Problema: os líderes europeus não querem saber de formalidades e deixaram claro, horas depois de o referendo ter sido convocado, que o acordo deixou de ser válido e que a resposta que os gregos vão dar é, isso sim, se pretendem manter ou não o seu país no euro e até na União Europeia. Se sim, terão direito a mais uma injeção de austeridade, em euros. Se não, automedicam-se com uma injeção de empobrecimento, em dracmas. Demencial noção de democracia, esta. Não interessa qual é a pergunta, interessa a interpretação da resposta dos oráculos de Berlim. Não é de facto a democracia a funcionar.
2. Voltemos ao princípio. Tsipras, mesmo depois de sucessivas cedências, contrariando tudo o que prometeu a quem o elegeu, foi confrontado com um tudo ou nada, tacanho e casmurro, por parte de Merkel e companhia. Percebeu que o seu partido não tinha legitimidade para esticar uma corda que poderia levar à saída do euro. O Syriza teve pouco mais de um terço dos votos e mesmo esse terço foi-lhe atribuído com a garantia de que a Grécia não sairia da moeda única. Solução óbvia e democrática: chamar o povo a decidir se a corda é ou não para esticar, com todas as consequências anexas. Simples? Nem por isso. Os dias seguintes revelaram que Tsipras não pretendia usar o referendo como uma arma democrática, antes como uma arma de arremesso. Como os avanços e recuos dos últimos dias demonstram, como as insinuações sobre uma eventual suspensão do referendo confirmam, Tsipras estava menos interessado em devolver a palavra ao povo e mais desesperado por um trunfo negocial para exibir em Bruxelas. Não é de facto a democracia a funcionar.
3. Manietado por este colete de forças e de egos está o povo grego. Que terá de fazer uma escolha impossível: ou aceita um acordo que impõe mais cortes nas pensões, mais recessão, mais desemprego, mais pobreza; ou aceita abandonar o euro, com o caos que esse cenário acarreta e um empobrecimento imediato a uma escala provavelmente nunca vista. É verdade que há dois prémios Nobel da Economia que aconselham esta última via. Mas Krugman e Stiglitz vivem longe e continuarão a receber os seus rendimentos em dólares. Decidir com uma corda ao pescoço não é a melhor condição para a democracia funcionar.
EDITOR EXECUTIVO