<p>De acordo com o grande etnógrafo que foi José Leite de Vasconcelos, "bairro" significa uma parte ou "divisão de uma povoação". Segundo a popular "Wikipédia", trata-se de "uma comunidade ou região dentro de uma cidade ou município". Designa, por isso, tanto uma área urbana como uma comunidade a que se reconhece identidade própria. O Bairro Alto ou do Restelo, em Lisboa, ou o Bairro da Sé ou do Amial, no Porto, são exemplos disso. Contudo, no ordenamento administrativo do país, a palavra "bairro" apenas entra na expressão "bairro fiscal" e, mesmo assim, só em Lisboa e no Porto. Por outro lado, a palavra "bairro" está na origem de outras como, por exemplo, "bairrismo" que significa visão estreita ou limitação de perspectivas. "Bairrismo" é o contrário de "cosmopolitismo" que remete para a largueza de vistas e sentido eminentemente urbano de ideias e comportamentos. Urbanisticamente, a palavra significa um conjunto edificado cuja identidade se exprime de forma unitária, tanto do ponto de vista morfológico e territorial, como do ponto de vista da história, do planeamento, da classe social ou, até, e só, dos hábitos e dos costumes. </p>
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Dir-se-ia, então, que, perante um tão amplo espectro de ideias que lhe estão associadas e embora tenha uso tão corrente, o conceito de "bairro" não revela, só por si, grandes potencialidades operativas. A verdade é que a ideia, não sendo nova, não é, no entanto, desprezável e pode mesmo regressar como conceito capaz de fundamentar uma alternativa ao vazio da "cidade industrial", "modernista" ou, simplesmente, "especulativa" que, em grande medida, ainda é a nossa. Com efeito, a ideia mais próxima do conceito de "bairro" é a de "unidade de vizinhança" tal como Clarence Perry a formulou nos primórdios do "modernismo" (EUA, 1920): "Célula" fundamental da cidade ou princípio natural da sua formação e do seu crescimento (celular). O princípio da organização da cidade por "unidades de vizinhança", tinha fundamento no melhor da "cidade histórica" (ou antiga) e visava, essencialmente, recuperar a ideia de "cidade humanizada", destruída pela industrialização e, simultaneamente, fornecer aos "urbanistas" a "chave" com a qual fosse possível estruturar as novas e grandes extensões urbanas, reestruturar as antigas, ultrapassar a utopia novecentista do "familistério" como "ilha de felicidade" e, assim, abrir caminho à verdadeira cidade democrática e "amigável". Ao "colocar dentro duma distância percorrível a pé todas as facilidades necessárias ao lar e à escola e manter fora dessa área de pedestres as artérias de tráfego pesado que conduzem pessoas ou mercadorias que nada têm a ver com a vizinhança", os defensores da "unidade de vizinhança", concebiam e desenhavam a "cidade real" em função desse núcleo essencial e decisivo para a construção de sociedades verdadeiramente democráticas, humanas e amigáveis, que é a "escola".
A verdade é que Perry tinha tanta convicção quanto à operatividade da "unidade de vizinhança" centrada na instituição "escola" que fixava mesmo os seus parâmetros dimensionais básicos: 100 hectares de território para uma população de cinco mil habitantes. De resto, seria na associação estruturada de várias destas "unidades de vizinhança" que deveria assentar a grande cidade organizada em torno de valências, equipamentos, serviços e infra-estruturas de escalas superiores (urbana, metropolitana e regional). No entanto, a cidade "moderna/contemporânea" escolheu outros princípios e fixou, para si própria, outras regras e outras obediências! Não foi feliz com isso e as razões que a fizeram seguir por aí tiveram múltiplos efeitos perversos e tornaram-na, sobretudo, especulativa e pouco amigável. As nossas cidades de hoje são, por isso, e em geral, carentes de identidade, desintegradoras, em mutação constante e com dificuldades evidentes em saber o caminho que devem trilhar e qual a sua real missão. Será que um desses caminhos possíveis "seria" o do regresso ao "bairro" como "unidade de vizinhança"? E digo "seria" porque a verdade é que não se podem perder oportunidades como teria sido a do gigantesco "Plano Nacional Escolar" agora em curso que, com mais de três mil milhões de euros gastos em obras em edifícios, parece ter esquecido ou desvalorizado a dimensão urbana e comunitária da "escola"!