O Parlamento começou ontem a debater, com a habitual veemência (e demagogia) da Oposição, acompanhada pela seráfica abordagem dos partidos que sustentam o Governo, uma das matérias mais sérias da agenda política dos próximos tempos: as alterações ao conceito e causas dos despedimentos por justa causa.
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O tema, como se percebe, é quentinho e promete incendiar os ânimos e as vozes dos partidos mais à Esquerda. Os comunistas, por exemplo, atiraram para cima da mesa a carta das manifestações do povo indignado, que supostamente encherão as ruas de Lisboa em protesto contra mais uma machadada nos seus direitos. Os socialistas, esses, acham que têm pouco a ver com o assunto - e, por isso, estão dispostos a cavalgar a onda de descontentamento que por aí possa aparecer.
O ponto de partida para esta discussão não é, convenhamos, muito agradável. Portugal era, em 2010, o terceiro país da União Europeia com maior índice de precariedade laboral. Contas feitas, um em cada cinco trabalhadores por conta de outrem está ligado à entidade patronal ou por um contrato a termo ou por um vínculo precário. Tornar ainda mais desequilibrada a relação entre patrão e (des)empregado tenderá a agravar estes indicadores.
Não vale a pena escamotear este problema, mas também não vale a pena escamotear outros dois.
Os patrões costumam dizer que só por estupidez se livram de empregados capazes e produtivos. É uma regra que dá lugar a muitas excepções, quando, por exemplo, o problema não está no empregado, mas no patrão, incapaz de motivar a sua força laboral para o cumprimento de objectivos bem definidos assentes em estratégias claras. O inverso também é verdadeiro. A produtividade do nosso país está muito longe do desejável - e uma das causas mais estruturais do fenómeno está na rigidez do mercado laboral, na manutenção sem juízo dos sacrossantos direitos adquiridos que consomem recursos às empresas sem retorno produtivo.
Último e mais importante: as mexidas no conceito de despedimento e na definição das causas que justifiquem o despedimento por justa causa (ver páginas 42 e 43) estão previstas no acordo que assinámos com a troika. Não vale a pena encher a boca com slogans de pacotilha como "vem aí a lei da selva" ou "os trabalhadores protestarão nas ruas". A coisa é mesmo inevitável. Vai doer, mas é inevitável.
E, francamente, temo que possa ir além dos primeiros esboços. A situação na Grécia agrava-se a cada dia que passa, o que permite antever acrescidos problemas para Portugal. A possibilidade, assumida pelo primeiro-ministro, de pedirmos mais dinheiro à troika será tanto mais bem sucedida quanto melhor for o cumprimento dos objectivos assumidos para este ano.
Sempre foi uma perda de tempo lutar contra moinhos de vento. E tempo é coisa que Portugal não tem para gastar. Por isso, um debate tão sério com o das mexidas nos despedimentos deve ser feito com senso. Mas sem ilusões. Patrões e trabalhadores não têm de ser inimigos. Não devem ser inimigos. A luta de classes já lá vai...
