Sexta-feira, meio da manhã, o corredor do bloco operatório está deserto. Um silêncio impera nas salas cirúrgicas, contrastando com a azáfama no internamento, onde se explica aos doentes que não vão ser operados por causa da greve.
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Estranhamente não foram definidos serviços mínimos. Em plena sexta vaga covid-19, com muitos profissionais ausentes por infeção, a greve manteve-se. Um sinal do cansaço e da desmotivação generalizada. Foram dois anos muito duros e, no final, não se vislumbra um caminho.
Abaixo-assinados reclamando contra a realização de mais horas extraordinárias. Alteração ao Acordo Coletivo de Trabalho da carreira médica, publicado há menos de um mês, em que se reduz o limite anual do trabalho suplementar de 200 para 150 horas. Paradoxalmente, a proposta do Orçamento do Estado prevê um acréscimo de remuneração para quem efetue mais de 500 horas suplementares. Não se percebe a estratégia. Os profissionais não o desejam e este tremendo esforço tem um impacto negativo na sua saúde, na estabilidade familiar e na segurança dos doentes. Por ano são mais de 15 milhões de horas extraordinárias, mais de 500 milhões de euros em horas extraordinárias e prestações de serviço.
Por outro lado, o mesmo Estado que não dá autonomia às instituições para a contratação e não qualifica os vencimentos, oferece valores cinco vezes superiores a quem se disponibilize a trabalhar em prestação de serviços. O sinal pode não ser o pretendido, mas a direção é clara e aponta-lhes a porta de saída, desestruturando de forma irremediável o SNS.
Temos assistido recentemente a uma vaga sem precedentes de pedidos de redução de horário e de desvinculação. A paixão pelo SNS está a desaparecer, o orgulho de pertencer a esta equipa dissipa-se diariamente.
Salários baixos, progressão lenta ou inexistente, exigência enorme, trabalho insano, sem um fio condutor. O sistema está burocrático, administrativista, nada focado na excelência da gestão, nos trabalhadores e nas instituições, desprestigiando os doentes. As folhas de excel e os números são o paradigma dos processos.
Os profissionais da saúde sentem-se sozinhos. Os doentes abandonados, especialmente os mais carenciados, agravando o fosso da iniquidade no acesso e desviando-se de uma política de inclusão.
Os grupos de trabalho são nomeados ciclicamente, os estudos efetuados e reiteradamente repetidos. As causas estão bem visíveis. Faltam ações e medidas. Gostamos sempre de começar tudo de novo. O relógio está a contar e o tempo escasseia.
Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de S. João