Corpo do artigo
Um velho problema da "nova austeridade" portuguesa (ou PEC III) é o das consequências não desejadas. Desde logo se diga que as escolhas de caminho são políticas, e só depois económicas. Mas da oposição política ouvem-se, infelizmente, poucas ideias económicas. Pediram os partidos de "esquerda" a lista de entidades e fortunas que podem pagar mais impostos, e até quando?
Entregaram os de "direita" o rol das entidades públicas e quase-públicas passíveis de encerrar?
Na ausência de tais propostas credíveis e potentes, o Governo sente-se à vontade para a sua versão da "austeridade".
Toca assaz brutalmente no IVA, o tal imposto perverso, que tantos usam como empréstimo ou adiantamento. Agravar o IVA significa penalizar transacções e empresas, de forma mais nociva do que uma subida moderada do IRC.
Congela e corta pensões e abonos de família, tendo o cuidado de agir severamente para os segmentos mais altos, mas não poupando as situações de classe média.
Corta salários públicos entre 3,5% e 10% (pior do que um aumento substancial do IRS), começando em ordenados demasiado baixos, não diferenciando entre sector "útil" e "redundante" do Estado, nem destrinçando estatutos patrimoniais e financeiros.
Age timidamente sobre 20% da frota de automóveis do Estado, quando se podia recomendar a venda ou locação de toda ela, e a necessidade de transportes colectivos ou comuns, ou privados (sem subvenção).
Cria um novo imposto sobre o sector financeiro, e sugere subidas nos contribuintes mais ricos, mas não torna essas medidas coerentes, pela exigência de extinção, ao menos programada, de vastas áreas da actividade pública, supervisora, coordenadora, empresarial ou outra.
Por fim, não se explica a razão exacta da desconfiança dos mercados em relação a Portugal. Aparece sempre a mesma como um mistério de cordel.
Ora essa desconfiança mantém-se, em relação a Espanha, apesar de esta ter tomado "as medidas que Sócrates não ousa tomar".
A verdade é que a Moody's acaba de desvalorizar ainda mais a economia de Madrid, para Aa1. Razão principal: há cortes profundos, mas como não se dá crescimento económico, nada feito.
E como os cortes podem estar na origem da falta de crescimento, entramos num ciclo vicioso, em que é o "remédio" que mata o doente.
Eis outro resultado não pretendido.
Mas possível.