<p>O presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), Francisco Van Zeller, defendeu, anteontem, um adiamento de 10 anos para a ligação Porto-Lisboa em alta velocidade (TGV). Justificação: a crise, pois claro. Mas a crise não aconselha também a protelar a ligação Lisboa-Madrid, até porque, segundo o próprio Van Zeller, a contribuição económica do TGV é "zero" (sic)? O engenheiro Van Zeller concede que ligar por TGV o Porto a Lisboa e Lisboa a Madrid é "inevitável". Mas, como há que cortar em qualquer lado, corta-se na ligação ao Porto. Porquê? Porque, no caso Lisboa-Madrid, há compromissos internacionais a cumprir.</p>
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A tese em que assenta o raciocínio do presidente da CIP compreende-se sem dificuldade: os recursos são escassos (muito escassos, nesta altura), de modo que estamos obrigados a fazer escolhas criteriosas. Ou optamos por uma coisa ou por outra: não podemos ter o melhor dos mundos. Foi também com base nestes pressupostos que, há dias, a sub-directora do "Jornal de Negócios", Helena Garrido, defendeu, a título de exemplo, que devia abandonar-se a ideia de construir uma auto-estrada em Trás-os-Montes sob o pretexto de ser a única região do país que não beneficia de uma via deste tipo. Para que serve despejar uns larguíssimos milhões na construção de uma estrada numa região sem gente?
O que une estas duas reclamações? O tristemente célebre centralismo. O inescapável centralismo.
Vamos por partes.
Francisco Van Zeller esqueceu-se de dizer ao país que, se é verdade que há um compromisso com Espanha para levar o TGV até Madrid, também é verdade que há um compromisso com Espanha para levar o TGV do Porto até Vigo. Como o líder da CIP bem sabe, a linha Lisboa-Porto-Vigo faz parte de uma coisa que se chama "rede transeuropeia de transportes". E assim se prova que ou Van Zeller não sabia do que estava a falar (o que é grave), ou sabia e torceu os argumentos a seu belo prazer (o que é igualmente grave).
O caso da auto-estrada transmontana é igualmente um belo exemplo da lente usada a partir de Lisboa para se analisar as necessidades e o desenvolvimento do país. Se Helena Garrido tivesse falado da A7 (que serve uma parte de Trás-os-Montes), o argumento era compreensível. De facto, construiu-se ali uma via que está (quase) sempre às moscas. Provavelmente, os dinheiros ali gastos seriam melhor aplicados noutras áreas. Mas não. A jornalista falava de uma estrada que já foi das mais mortais do país e que tem, hoje, níveis de tráfego que obviamente reclamam outras condições de segurança para quem por ali passa.
É triste perceber que gente informada como esta continua a pensar que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. Antes de mais porque quem, porventura, mais tem a perder com a continuada desertificação, é precisamente Lisboa.