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1. O problema esteve nas falhas do sistema de comunicações? Ou terá sido a conjugação de uma série de fenómenos meteorológicos? Foi por causa da trovoada seca ou houve mão criminosa? Será que houve descoordenação no ataque ao fogo? Ou talvez falta de conhecimento do terreno de muitos dos bombeiros chamados ao combate? Ou foi apenas uma fatal avaliação de quem encaminhou dezenas de pessoas por aquela estrada? Fez-se tudo o que podia fazer-se, como disse o presidente? Ou fizeram-se demasiadas coisas erradas? Quando morrem 64 pessoas num incêndio florestal, bem podem os responsáveis políticos pedir respeito pelos mortos. Bem podem argumentar que a prioridade é salvar outras vidas, apagar o fogo e, só depois, com tempo, abrir inquéritos, investigar, retirar conclusões, talvez punir. Quando morrem 64 pessoas num incêndio florestal, e ultrapassados as horas iniciais de choque, todos exigimos respostas rápidas. O discurso político conciliador e redondo só gera indignação. Precisamos de uma explicação. E porventura de um culpado.
2. Em outubro do ano passado, a Unidade de Missão de Valorização do Interior produziu um documento que não mereceu atenção por aí além. Nem mediática, nem política. Intitulava-se "O interior em números. Bases para um diagnóstico" e apresentava o retrato de um país perigosamente inclinado para o litoral e para as suas duas áreas metropolitanas, em particular para Lisboa. Lia-se, entre tantas outras coisas que, entre 1960 e 2011, a população residente portuguesa aumentou aproximadamente 20%, chegando aos 10 milhões de habitantes. Uma média estatística que esconde um desequilíbrio nefasto: nos concelhos do litoral, a população residente aumentou cerca de 50%, enquanto o conjunto de 165 municípios do interior perdeu 30% dos seus habitantes. Dois terços do país estão a transformar-se num território despovoado, com terras que já foram agrícolas e produtivas, ainda que pobres, tomadas pelo mato e, na melhor das hipóteses, por uma floresta desordenada de pinheiro e eucalipto. No escasso tempo ocupado a discutir esta realidade, houve um deputado do PSD (Jorge Paulo Oliveira) que fez uma boa síntese do país que temos e de quem são os culpados. "Digo e repito, falhámos todos. Falharam os partidos que passaram pelo Governo, falharam os partidos na Oposição. É um falhanço de todo o país." É uma explicação longínqua. Não se vislumbra um culpado. Mas, se não nos consola perante a tragédia de Pedrógão Grande, devia pelo menos pôr-nos a pensar. E a refletir sobre o país que queremos. Caso contrário, talvez se cumpra a velha provocação, devidamente atualizada: o país é Lisboa, o resto é paisagem... e cinza.
* EDITOR EXECUTIVO