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O Mundo parece aquela clássica anedota da loira que, perante uma casca de banana no chão, dizia resignada “lá vou eu cair outra vez”. É que apesar de já não ser comum, como nos anos noventa, contar anedotas de loiras (e ainda bem, porque sempre foram misóginas), tudo o resto parece estar a retroceder. Nas eleições europeias vimos a extrema-direita a crescer de forma assustadora, sendo bem provável que daqui a cinco anos tenhamos uma maioria de fascistas no Parlamento europeu. O mesmo pode ser previsto para os governos de muitos países centrais para a estabilidade da União.
Se Trump ganhar nos EUA, a coisa fica ainda mais complexa do ponto de vista geopolítico, sobretudo com a questão da guerra na Ucrânia. Já para não falar na escalada bélica normalizada nos discursos, como se tivessem todos desistido de falar em “paz”, como se fosse uma coisa teórica isso da “guerra” e como se não fossem os nossos filhos a ter de ir combater pelas fronteiras da Europa.
Já no Brasil, a regressão vai ao ponto de querer criminalizar o aborto até em casos de violação, num país em que mais de uma dezena de milhar de crianças por ano engravida por abuso sexual, habitualmente perpetrado por familiares. A intenção da chamada “bancada da bíblia” é impor uma pena de prisão maior para uma mulher que interrompe a gravidez do que para o seu violador, equiparando o aborto ao homicídio. É a este nível medieval de ódio pelas mulheres (mesmo quando são crianças) e vítimas (!) que se chega num país democrático em 2024.
Outro retrocesso evidente é no debate sobre as políticas ambientais. A guerra e a crise sempre foram boas desculpas para adiar ainda mais a tomada de medidas contra as alterações climáticas, mas como a ecologia é um dos alvos da extrema-direita, os partidos centristas parecem adotar o assobio para o lado como estratégia. Evita-se o tema, com medo de perder votos, ao mesmo tempo que se acusam os ativistas pelo clima de serem extremistas por questionarem o capitalismo.
O mais irónico é pensar que grande parte dos problemas que fazem engrossar os votos na direita radical derivam das crises endógenas do capitalismo, tal como todas as resistências às políticas ambientais derivam dos grandes interesses corporativos do mercado capitalista. Falar de ecologia sem questionar o nosso modelo de desenvolvimento é uma grande ilusão, mas os “adultos na sala” preferem retroceder e dançar a música dos fascistas, a pensar em novas possibilidades e construir novas utopias. E sendo este o diapasão do momento, o retrocesso continua a ser o grande inimigo do futuro.