O risco de ignorar a lei e comprometer o acesso ao diagnóstico
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O quadro legal que regula as convenções entre o SNS e os prestadores convencionados visa assegurar que nenhum cidadão seja privado de cuidados de saúde em tempo útil. A lei define, para o efeito, uma hierarquia de respostas: o SNS em primeiro lugar, seguindo-se o recurso obrigatório ao setor convencionado e, só em último caso, a contratação direta de serviços externos. Este mecanismo é uma salvaguarda essencial do acesso, universal e equitativo, à saúde.
Nos últimos meses, várias unidades locais de saúde (ULS) têm ignorado este princípio, promovendo procedimentos de contratação direta para internalizar atos laboratoriais assegurados pela rede convencionada. Esta decisão, além de ilegal, prejudica o cidadão: quem tinha liberdade de escolha entre laboratórios próximos, com horários alargados e resposta célere, passa a depender apenas dos circuitos internos das ULS, perdendo conveniência, rapidez e aumentando o risco de atrasos no diagnóstico, com potenciais consequências para a saúde.
O artigo 64.° da Constituição impõe ao Estado o dever de garantir o acesso universal, equitativo e eficiente à saúde. A lei concretiza esta obrigação ao impor a hierarquia de resposta. Por esta razão, a ANL elaborou um parecer que alerta para a ilegalidade destas práticas e para os seus efeitos nos utentes.
Não se trata meramente de dar preferência a um prestador, mas de respeitar o mecanismo legal que assegura qualidade, transparência e concorrência. Ao suportar custos fixos internos e, em simultâneo, celebrar novos contratos, o SNS duplica despesas sem ganhos de eficiência e desperdiça recursos que poderiam ser usados de forma mais racional.
Soma-se a este problema a desatualização da tabela de atos e preços convencionados, há mais de uma década. Sem revisão regular, os valores pagos não acompanham a evolução tecnológica nem refletem custos reais, fragilizando os prestadores e criando desigualdades. Recorde-se que o setor convencionado garante mais de 3300 pontos de acesso em todo o país, assegurando proximidade, previsibilidade e capacidade de resposta, um contributo vital que deve ser reforçado.
O setor convencionado não é um concorrente do SNS, mas um parceiro previsto na lei, que colmata insuficiências, garante proximidade e preserva a liberdade de escolha. Ignorá-lo quando existe e tem capacidade de resposta é falhar o mandato constitucional de universalidade, igualdade e eficiência. Ao insistir na contratação paralela, as ULS colocam em risco a sustentabilidade de uma rede que suporta o SNS e que, em muitas regiões, constitui o único meio de acesso a diagnósticos.
Cumprir a lei e preservar o acesso ao diagnóstico é uma exigência legal e social a que ninguém deve renunciar. Só assim se garante, de forma efetiva, o direito à saúde de todos os portugueses.