A sensação de que o nosso ministro das Finanças possa estar em aclerado processo de redenção tem tanto de sedutora como de peregrina. A aparência é sedutora porque o homem ganhou ao "robot", mas o conteúdo é todo um tratado de crucificação política.
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Vamos à aparência.
Pelo modo como soletrava o discurso e matraqueava os números, Gaspar criou a ilusão de que estaríamos entregues a um ministro "robot". E alguns pretendiam mesmo que se tratava de um "robot" da linha alemã no poder.
Por muito que muitos apenas vissem defeitos de fábrica, lá no fundo confortava-nos a possibilidade de as nossas finanças públicas estarem entregues a alguém que pudesse pela razão e mesmo pela alma afastar-se do comum português, cheio de defeitos e tendencialmente adrabilhas quando o seu mister é no fundo o de nos caçar o voto.
Alemão e robotizado era uma sensação de alívio que o nosso ministro das Finanças - e por muitos meses ministro dos outros ministros todos - nos transmitia.
Quanto à aparência, estamos conversados. Em duas penadas, Gaspar tirou-nos a boa sensação que nos passava de poder ser fiável sobretudo em razão do seu frio e inflexível comportamento.
A primeira ação humana que destruiu essa sensação foi aquele pedido para que as oposições fossem clementes em razão da má semana que estava a passar por o seu Benfica não ter ganho o campeonato e, finalmente, não ter ganho nenhuma das provas que disputou.
A segunda ação destrutiva aconteceu ontem quando, perante os deputados, Gaspar apontou o dedo à chuva, ao fim e ao cabo a Deus, pelo desempenho abaixo das previsões da nossa economia durante o primeiro trimestre.
Acontece que, nas duas últimas décadas, o Benfica tem perdido mais campeonatos do que aqueles que tem ganho e, de sempre, nunca ouvi político algum daqueles países em que chove todos os dias sustentar análises de investimento e produção com base na meteorologia. Sim, aqui e ali, mas apenas para situações inclementes ou de fúria dos elementos. Aplicadas à agricultura e não à construção.
Pior será a sensação peregrina com que ficamos depois de termos ouvido o nosso ministro das Finanças reconhecer cristamente os seus erros.
E que erros! Que o reajustamento não devia ter sido iniciado sem a reforma do Estado. E que o reajustamento deveria ter principiado pelo corte na despesa do Estado.
A dimensão e qualidade do Estado e a despesa que acarreta é só o maior problema das nossas finanças públicas por colocar cada um de nós sob uma pressão fiscal insustentável a prazo.
Por isso, a redenção de Gaspar parece ser a crucificação do ministro.
Veremos.