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Álvaro Laborinho Lúcio partiu na semana passada, deixando um vazio nas muitas comunidades onde foi e será referência: a justiça, o ensino e a cultura, entre outras. Mais pobres também ficaram os "locci" da cidadania e do humanismo.
O seu percurso curricular foi notável: procurador da República, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, diretor do Centro de Estudos Judiciários, ministro da Justiça, ministro da República para os Açores, presidente do Conselho Geral da Universidade do Minho (onde foi doutor honoris causa), escritor (tardio) e membro de diversas comissões no âmbito da defesa dos diretos humanos. Mas esta listagem revela pouco... Revela muito pouco.
A riqueza destas diversificadas experiências profissionais e de vida, a sua forte formação nos fundamentos filosóficos do modelo civilizacional europeu (nomeadamente nos clássicos gregos, que levariam à sua paixão pelo teatro) e uma particular perspicácia para perceber as pessoas com que se foi cruzando (vide o seu livro "O chamador") permitiram-lhe compreender com profunda sensibilidade as suas envolventes. Tudo isso partilhou connosco nas suas falas e nos seus escritos, seja na análise da sua área inicial de atividade (no livro "O julgamento", explica magistralmente a diferença entre direito e justiça) ou na radiografia da sociedade portuguesa do seu tempo, o pós-25 de abril (no livro "As sombras de uma azinheira"). Subjacente ao seu pensamento, estava sempre a educação e a sua importância para os grupos mais vulneráveis, como as crianças de risco, a quem dedicou grande atenção.
Impressionava a sua leitura integrada e muito própria do humano, que traduziu em retratos muitos peculiares no livro "Vida na selva". Álvaro era surpreendente e inspirador. Surpreendente, na erudição com que dissecava um assunto complexo ou na elegância de um simples cumprimento ou saudação. Inspirador, na centralidade que conferia à dignidade humana e no modo como abordava dissensos.
Acima de tudo, foi um professor. Um professor para os que tiveram a possibilidade de o ouvir e a ele ficarem presos pelo magnetismo das suas palavras - "agarrados", na aceção que o étimo aprender encerra. Um professor "at large", como se refere na cultura anglo-saxónica quem, de forma interdisciplinar e transversal, é capaz de abraçar o Mundo pelo conhecimento. Um professor sapiente que exalava sabedoria, qual degustação simbiótica entre aprender e saborear, onde o gosto tem o sentido de juízo e de discernimento. Laborinho Lúcio era um sabedor! Vai fazer-nos falta.

